quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Dragons of Autumn Twilight

Há muito tempo eu queria ler essa série. É uma daquelas coisas sobre as quais todos os jogadores de RPG ouve e fica curioso pra conhecer - mais ou menos como Não Faça Acordos com o Dragão, exceto que Dragonlance é bem mais antigo e bem mais conhecido entre RPGistas.

Dragonlance começou como um projeto para um cenário de AD&D em que os dragões seriam mais relevantes do que os cenários já clássicos na época (como Forgotten Realms, Mystara e Greyhawk) que tinham dragões, mas como meros monstros coadjuvantes - na verdade, muitas campanhas de D&D nunca figurariam um dragão, já que eles são criaturas muito poderosas e a maioria dos grupos não atinge o nível necessário pra enfrentar um deles. Assim, Dragonlance foi desenvolvido com a proposta de criar um cenário onde dragões fossem um dos componentes que fizessem parte das engrenagens que fazem o cenário funcionar. E nisso, o livro é extremamente bem sucedido!

De fato, o livro é bem sucedido em tudo. Tem uma trama atraente, personagens interessantes, um cenário rico e é muito bem escrito. Na verdade, eu preciso admitir que o livro é muito melhor do que eu esperava. Sempre achei que grande parte da fama dos livros entre os RPGistas se desse pelo fato de serem livros que falam de um cenário de RPG, e me surpreendeu positivamente perceber que não, o livro é bom como literatura, como história, não apenas como "um livro sobre D&D".

Alias, falando sobre esse ser "um livro sobre D&D", conta a lenda que esses livros foram baseados em uma campanha que teria sido posteriormente novelizada. Nunca imaginei que algo assim pudesse funcionar até ler esse primeiro livro. Mas funciona! E é divertidíssimo ver situações de jogo dentro da história - decisões ruins, falhas críticas, sucessos decisivos, magias... Todos esses pequenos detalhes são perceptíveis para um jogador de RPG durante a leitura, e achei fantástico como Weiss e Hickman conseguiram traduzir isso de forma tão perfeita no livro.

Pra mim, a melhor parte do livro é o Raistlin. Além de ser o meu personagem favorito - torçam os narizes, mas ele é ótimo dentro do seu anti-heroísmo - o fato dele posar de grande mago fodão enquanto toca Luz, Detectar Magia e Mãos Flamejantes (e uma Teia, olha só!) entre outras magias de nível baixo é fantástico. Weiss e Hickman fazem ele parecer poderoso e medonho mesmo sendo só um mago de nível baixo, com Constituição negativa e praticamente nenhuma capacidade combativa. Não sei se o personagem foi construído dessa forma pelos autores ou se o jogador que interpretava ele era muito bom!

Leitura fortemente recomendada!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

All Consuming Fire

Sherlock Holmes encontra Dr. Who e ambos enfrentam Azathot. Sim, é uma salada de frutas entre histórias de detetive, horror e ficção científica - tudo dentro do clima de "humor" meio nonsense de Dr. Who.

É meio difícil pensar em algum nerd que não vá gostar desse audio book. Além de ser muito mais curto do que audio books tradicionais (tem cerca de uma hora e meia de duração, com algumas curiosidades no final do arquivo), o que certamente facilita bastante pra quem não consegue ficar focado em audios de 25 horas ou mais (dependendo do livro) a história mistura três franquias ridiculamente famosas - só abarcaria mais nerds se tivesse o Kirk ou o Vader na história... E nem seria tão ridiculamente absurdo assim, pensando bem!

A história é simples e direta, como um episódio de série, sem grandes subtramas, e vai tão direto ao ponto quanto possível, sem enrolações.

Eu gosto muito de Sherlock Holmes e sou um apreciador dos Mythos de Lovecraft também, e achei ambos muito bem representados na história. Não gosto de Dr. Who, mas acredito que, principalmente porque é uma história dele, afinal de contas, os fãs da série devem gostar da história tanto ou mais do que eu.

uma pequena nota: achei o som menos do que ideal. As músicas são altas demais, e algumas partes das falas ficam confusas por conta da quantidade de efeitos sonoros. Não é realmente um grande problema, mas eu precisei ajustar o volume algumas vezes pra achar o ponto ideal pra ouvir sem ser incomodado.

Enfim! Escutem e divirtam-se!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

The Amber Spyglass

Concluindo a trilogia de livros His Dark Material, de Phillip Pullman, The Amber Spyglass segue o clima do livro anterior, The Subtle Knife, deixando ainda mais para trás a narrativa do primeiro livro. Novamente, aqui, Pullman foca nas questões de dimensões paralelas e se concentra em explicar o funcionamento da "poeira", além de explorar mais a fundo os anjos e a Autoridade.

Como bônus, nesse terceiro audio book temos o próprio autor lendo algumas passagens, especificamente as introduções do livro, que são excertos de textos de outros autores. Bastante interessante.

Antes de falar do livro em si, preciso fazer uma pequena observação: dois capítulos desse livro estavam nos arquivos de audio do livro anterior, The Subtle Knife, o que certamente confundiu bastante a coisa toda. Acho, inclusive, que os dois capítulos "dobrados" ficaram no lugar dos capítulos originais do livro, porque em nenhum momento eu encontrei uma explicação de como Mary Mallone acabou atravessando a barreira das dimensões - ela cita isso nesse terceiro livro, mas nunca explica. E pelo que percebi da narrativa de Pullman, ele não costuma deixar nada fora do lugar. Então a resenha daquele livro pode ter sido prejudicada por conta disso - mas duvido que mudasse muito minha opinião sobre o livro como um todo.

De fato, assim como não gostei do segundo livro, muito distante da narrativa do primeiro, também não gostei desse terceiro livro, por motivos diferentes. Já esperava que a narrativa se focasse mais na "poeira" e nas dimensões paralelas, como no livro anterior, mas uma série de coisinhas nesse livro me desagradaram.

E sim, vou falar sobre isso, então, aviso: Revelações sobre a trama adiante.

*** REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ADIANTE ***

Três coisas especificamente me incomodaram no livro. A primeira, menos importante, foi a adição de um Demônio para Will. Não entendi nem como nem porque ele passou a ter um Demônio "desperto", e achei ainda mais tolo isso acontecer tão no final da estória. Me pareceu tão... Inútil. Pareceu que Pullman quis criar um vínculo maior entre Will e Layra através de uma natureza mais semelhante, só pra que a separação forçada dos dois fosse ainda mais traumática.

O segundo problema pra mim é a série de personagens que simplesmente não têm razão de existir. O tal padre assassino (Luiz, acho), que a gente acompanha durante todo o livro, simplesmente morre sem fazer nenhuma diferença pra história - nenhuma diferença MESMO! Mary Mallone, apesar de criar a Luneta do título, também não faz nada pela história, além de ocupar espaço - mesmo porque a luneta não tem nenhum impacto na trama, de qualquer modo. Os Mulefas são totalmente desnecessários na história, e só estão lá pra explicar de onde vieram e como são diferentes das outras formas de vida, mais nada. Me parece que a existência desse eixo inteiro da tramas só serve pra ocupar espaço no livro, sem nenhum motivo.

A terceira coisa que me incomodou - e isso, sim, me incomodou bastante! - é a Autoridade. Um anjo (que foi um humano seis mil anos atrás), colocado no lugar de Deus pra governar a existência, com milênios de existência, capaz de ler sentimentos humanos, brilhar como uma lâmpada fosforescente e liderar hordas de Anjos, além de ter um castelo voador. E daí ele é seduzido por uma mortal e, como se isso não fosse idiota o suficiente,  derrotado no braço por dois humanos sem nenhum tipo de treinamento marcial - dois cientistas! Serio? Sou a criatura mais poderosa do universo, mas como posso ser derrotado por qualquer um, vou deixar meu castelo e ir, sozinho, matar esse sujeito porque essa humana gostosa (e sabidamente mal-caráter) vai me ajudar. Uhum. Certamente Metatron não foi colocado no cargo de administrador por conta da sua inteligência, nem sua capacidade de liderança ou seu bom senso. Alias, como ele não apresenta nenhuma qualidade, fica difícil levar a sério que ele era o sujeito malvado no fim da história. Bem difícil... Ele é impulsivo, belicoso, arrogante, lascivo, emotivo... Como um sujeito com seis mil anos de idade, com todos esses defeitos, consegue não só permanecer vivo mas comandar todo o exército mais poderoso da criação é um mistério que desafia qualquer explicação que eu tenha sido capaz de extrapolar!

*** FIM DAS REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ***

Esperava bem mais dessa trilogia, principalmente porque o primeiro livro é muito bom. Uma pena.

Minha sugestão é ler o primeiro livro e esquecer que tem mais dois volumes na série. Seriamente.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O Espadachim de Carvão

Um amigo meu mencionou esse livro um par de vezes - uma quando ainda estava lendo, e outra quando terminou de ler. Não foram exatamente menções entusiasmadas, mas sim algo como "uma curiosidade".

Eu, pessoalmente, nunca tinha ouvido falar no autor, e admito que fiquei surpreso ao final da leitura quando fiz uma procura pelo sujeito e descobri que ele tinha uma boa quantidade de coisas publicadas. Considerando que eu não tinha ouvido falar do trabalho dele em lugar algum - e tirando esse livro como base - só posso concluir que o fato dele trabalhar pra gente de calibre é o que permite que ele publique tanta coisa. Benefícios da fama/Quem Indique, aparentemente.

Não que o livro em si seja de todo ruim. Ele tem uma história geral quase boa, mas infelizmente há uma série de furos de roteiros difíceis de não perceber, além de vários problemas de estilo.

Aviso: Vou fazer algumas revelações sobre a trama nos próximos dois parágrafos (mais um desabafo do que qualquer outra coisa, na verdade), antes de ir adiante com a análise do livro. Como sempre, há um grande aviso sobre o início e o fim do trecho onde há revelações sobre a trama, então, se não tiver lido e não quiser receber alguma informação relevante sobre o livro, desça até o fim das revelações da trama e continue a leitura.

*** REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA! ***

Se as espadas eram capazes de encontrar umas as outras através de um brilho fraco, como caralhos o sujeito, depois de ter ficado com elas por 7 anos, nunca, nunca notou isso? Sério, tu precisa ser completamente incapaz de ver pra não perceber luminescência vindo do cabo da tua espada quando está solitário, no porão de um navio pobremente iluminado - durante uma viagem de duas semanas! Alias, no primeiro combate do livro, ele enfrenta um grupo de assassinos e o combate termina em campo aberto, à noite, sem iluminação, e uma das espadas fica presa no corpo de um dos assassinos e ele precisa tirar, apoiando o pé no corpo e puxando a lâmina. No escuro. Sem tochas. Focado na espada. E ele não percebeu que ela brilhava. Tá bem.

Isso sem contar que o pai dele, nos sete anos em que ele teve as espadas, não mencionou em nenhum momento que elas eram relíquias... Alias, falando em pai dele, preciso dizer que considerando que eles são divindades capazes de prender outras divindades em prisões de cristal, criar vida, controlar o ambiente ao redor, viverem por milhares de anos, serem capazes de respirar sob a água, sem contar terem 10 metros de altura (sem contar todos os poderes que eles provavelmente tem e não foram mencionados) fica difícil engolir que ele foi morto por um grupo de assassinos bárbaros que foram logo em seguida derrotados por um sujeito com duas espadas - em 3 segundos.

** FIM DAS REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA! ***

Além dos problemas envolvendo a trama em si, a narrativa tem uma série de problemas próprios. O escritor começa com descrições extremamente pedantes sem nenhum objetivo exceto de "parecer poético" - e que, obviamente, só servem pro leitor revirar os olhos.

"A pouca luminosidade que penetrava no depósito graças às brechas e falhas na madeira das paredes, porta e janela, perfurando as trevas como lanças pálidas querendo feri-lo."

"a lâmina de osso despertou com um silvo ao deslizar no forro da bainha, implorando que sua superfície perfeitamente branca logo fosse maculada."

Desnecessariamente rebuscado. Claro, isso dura umas 10 páginas. Depois o autor esquece completamente que estava fazendo essas descrições pedantes (e obviamente impossíveis de manter ao longo de um livro inteiro) e começa a escrever de maneira "normal". Elas servem só pra incomodar o leitor de arrancada. Péssima idéia.

Outro problema sério de estilo é o fato do autor trocar o tipo de fonte, espaçamento, usar caixa alta e abusar de múltiplos pontos no final de sentenças - vários "!!" e uma infinidade de "?!". Ninguém falou pra ele que ele estava escrevendo um livro, não digitando na internet... A escrita tem características tão esquizofrênicas que se torna incomoda de ler - pra alguém que gosta de ler livros, ao menos.

Finalmente, o livro tem algumas idéias que são interessantes, mas mal executadas. O autor não usa metros, ao invés disso usa passos pra medir distâncias e cascos pra medir comprimentos - o problema é que um casco tem uma medida de um palmo mais ou menos, seja lá quanto um palmo tenha - o meu tem 25 centímetros, então eu passei a usar essa medida. Daí quer toda vez que o autor te dá uma medida, tu precisa converter isso baseado no teu tamanho de palmos. Bem chato durante a leitura e acaba com a imersão. Bom trabalho criando uma identidade pro cenário, péssimo trabalho ao apresentá-la ao leitor.

Alias, o cenário é o ponto alto do livro. Tem uma mitologia toda própria, uma série de características tradicionais interessantes - por exemplo: Armas são feitas de Ambärr (material extraído dos ossos do animal de mesmo nome), ou de madeira. Não há menções À armas de metal. Conceito interessantíssimo. Além disso, há uma infinidade de raçass no cenário, apesar de, pra mim, os nomes longos terem sido um problema pra memorizar o que era o que, considerando que elas eram bem diferentes entre si.

Infelizmente, os pontos positivos nem de longe conseguem suplantar os negativos. O livro é, sem muitos rodeios, ruim. Trama interessante mas muito mal conduzida, personagens sem carisma, cenário mal explorado e escrita irregular. Não pretendo voltar a ler Affonso Solano, e não recomendo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

His Dark Materials - The Subtle Knife

Ok. Tenho bastante coisa pra falar sobre o segundo livro da série His Dark Materials do Philip Pullman, então sem enrolações, vamos direto ao assunto.

E já aviso que, apesar de serem mantidas dentro do estritamente necessário, vão haver revelações sobre a trama nessa resenha.

Primeiro, esse livro é completamente diferente do primeiro. Não tem o elemento steampunk do primeiro, ao invés disso focando em viagens entre dimensões paralelas, principalmente uma versão da terra dos anos 80 e uma cidade italiana cheia de fantasmas. Ou seja, se o clima steampunk foi um dos atrativos do primeiro livro, esteja avisado pra uma coisa completamente diferente aqui.

Além disso, o clima é completamente diferente. O ritmo é mais lento, a história é muito mais focada na protagonista (e no novo protagonista) e os personagens secundários praticamente desaparecem. Sim, eles estão lá, mas não são mais um universo vivo ao redor dos personagens, criando tramas e impulsionando a história. Além disso eles cumprem seus papéis de forma estoica e depois desaparecem completamente da história. Fim de papo, nada de gastar linhas com personagens não essenciais.

Além disso tudo, Pullman joga uma série enorme de novos elementos na história (novas raças, novas realidades inteiras, novas visões sobre os elementos já vistos no primeiro livro...) e não explica absolutamente nada. Nada, mesmo! Quer saber alguma coisa a mais sobre Dust? Bom, não tem nada nesse livro. Eles revolvem sobre o assunto sem adicionar nada de novo.  Quer saber onde foi parar Lorde Asriel? Ou qual o plano dele? Ou o plano de Miss Coulter? Nenhuma resposta aqui. Esse livro só adiciona mais perguntas, complica os elementos já existente, adiciona bizarrices novas e não avança a trama nem uma linha.

E eu não gostei do ritmo do livro. De uma história clássica de fantasia, com um ritmo de balada heróica, o livro se torna basicamente a relação entre duas crianças sem nenhum tipo de curiosidade até a metade - sério, eu queria muito pegar os protagonistas pelos ombros e balançar eles pra ver se saia uma criança de verdade ali de dentro! Eles são basicamente adultos pequenos, exceto quando a trama exige que eles hajam como crianças. Duvido que o Pullman tenha tido filhos - e se teve, tenho pena das pobres crianças...

A segunda metade do livro fica mais parecida com o primeiro, com elementos mais familiares à história, alguns personagens resgatados do primeiro livro e uma tentativa muito sem vontade de fazer a história voltar a andar - ainda que aos tropeções. Mas depois do desgaste da primeira metade do livro, eu admito que ia ser necessário um esforço muito grande do autor pra me fazer entrar no ritmo outra vez - e isso simplesmente não acontece.

Conclusão: o livro é chato, os protagonistas são inverossímeis, a trama é praticamente auto-contida. Quero ler o terceiro livro e descobrir se Pullman dá algumas respostas ou se ele vai simplesmente ficar empurrando a história com a barriga, como fez nesse livro. De fato, acredito que, se algumas respostas forem dadas no terceiro livro, esse livro do meio pode se tornar completamente desnecessário.
Possivelmente um dos piores livros que eu já li - e olha que eu leio um bocado de livros ruins de propósito...

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O Amor e o Machado

Eu sempre acreditei no amor, mas também que o amor não acreditava em mim. Não que eu seja um cético - veja bem, eu acreditava no amor! - mas sempre houve em mim um certo cinismo, uma pontada de descrença quando ouvia as pessoas falarem sobre o amor. Elas falavam nele de uma forma tão idílica, fervorosa, quase como um dos mistérios da fé. Era sempre cantado em versos quase poéticos. "o amor é imortal, eterno" ou "o amor é cego, puro e besta". E eu não conseguia acreditar que qualquer coisa que beire o sagrado e inspire poesia possa ter qualquer interesse em mim.

Assim, segui minha vida, acreditando que o amor existia, de alguma forma completamente inescrutável, provavelmente muito diferente das descrições dele que eu já ouvira, mas que, de toda forma, fosse como fosse, ele não tinha o menor interesse em mim - ou, mais precisamente, ele não acreditava em mim da mesma forma que eu não acreditava nele.

Até que um dia, enquanto cortava lenha, por mera distração acertei o amor com uma machadada. Uma machadada bem dada, diga-se de passagem. Daquelas que pegam em cheio e não deixam dúvidas sobre os resultados. E eu soube, ali, que era o fim. Acreditando ou não nele - ou ele em mim - eu havia matado o amor.

Me ajoelhei ao seu lado e vi o amor dar seu último suspiro, num gorgolejo de sangue, fitar meus olhos por um instante em uma incredulidade assustada, como quem pensa "como tu pode ter feito algo tão estúpido como me matar com uma machadada descuidada?" e então ficar ali, inerte, numa poça de sangue.

Por um momento fiquei ali, pensando se devia ligar pra polícia. Pros bombeiros. Pra algum amigo ou ex-namorada. Contar pra alguém o que eu fiz. Enquanto o amor jazia ali no chão, eu me sentia um assassino.

Mas então, refleti com meus botões: Se ele nunca tinha dado as caras por aqui, ninguém nunca tinha me visto em companhia do amor, se eu nem acreditava nele - e todos sabiam que não acreditava sequer que ele acreditava em mim! - por que eu avisaria alguém que ele morreu?

Assim, peguei meu machado e golpeei o amor até ele ficar em pedaços bem pequenos. Abri um buraco fundo, ao lado daquele onde tinha enterrado meu primeiro gato, que morrera anos antes (de causas naturais, até onde eu sei; certamente não por causa de uma machadada), e fui jogando ali os pedaços do amor. Sentia uma pontada de tristeza por ter matado o amor, admito, mas o sentimento se foi quando terminei de tapar o buraco.

Depois disso, achei que era o fim. Que não haveria mais amor no mundo, pelo menos pra mim. Afinal, mesmo sabendo, agora, que o amor definitivamente existia, eu também sabia que tinha matado ele.

Então, uma noite, por baixo do som do fogo, numa noite particularmente gelada de inverno, ouvi um barulho lá fora. Peguei meu machado e fui verificar. Vasculhei o pátio com aquele sentimento estranho de quem já teve que lidar com ladrões, que sabe que pode se ver frente à frente com uma encrenca mas que tem tudo sob controle e sabe o que está fazendo. Mas, pra minha surpresa, lá estava o amor. Usando um casaco pesado, uma manta colorida e brincado com uma das minhas gatas!

Enquanto eu olhava, incrédulo, o amor sorriu e correu pros meus braços, e me deu um aperto forte, pra garantir que havia voltado. E eu soube, então, que o amor era mesmo imortal, como haviam me dito!

E então me desvencilhei do abraço, dei um passo pra trás, olhei bem no fundo dos olhos do amor, e, por puro despeito, dei outra machadada nele. E picotei seu corpo, e enterrei os pedaços no mesmo lugar de antes.

Mas além de imortal, o maldito amor também é incansável. Não importa quantas vezes eu tenha dado machadadas nele - e foram várias, até hoje - ele sempre volta.

O estranho é que, apesar de eu sempre reconhecer o amor, toda vez que ele aparece outra vez, ele sempre é diferente. Toda vez. As vezes é risonho, as vezes sério, moreno, castanho, tem olhos azuis, verdes ou negros. E toda vez que eu dou uma machadada nele, eu sei que ele nunca mais será daquele jeito quando voltar. E apesar de isso me dar sempre aquela pontada de tristeza quando estou jogando seus pedaços naquele buraco ao lado de onde enterrei meu primeiro gato, também me traz uma sensação de expectativa, de não saber se ele vai mesmo voltar da próxima vez, e se voltar, qual a cara que vai ter.

E sim, eu sei, hoje, que ele sempre vai voltar.

E essa é minha relação com o amor: Ele com sua insistência imortal, eu com meu machado ímpio.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

His Dark Materials - The Golden Compass

His Dark Materials. Essa série, que já teve até uma adaptação pro cinema, nunca me chamou atenção. Provavelmente porque eu só descobri ela depois do filme que adaptou o primeiro livro - e que, na verdade, não me impressionou muito. 

Mas, como o filme tem elementos interessantes - e todos sabemos que livros quase sempre são melhores do que suas adaptações pra cinema - resolvi escutar. 

E, obviamente, tive uma grata surpresa!

Eu lembrava vagamente do filme, e em várias passagens do livro, consegui fazer conexões com imagens que tinha na memória, o que foi interessante. Não lembro muito do filme, mas aparentemente ele segue, ao menos em linhas gerais, a história do filme. Apesar de eu não lembrar exatamente dos conflitos entre a protagonista e o tio dela, e de lembrar da "vilã" de uma forma mais caricata. 

Obviamente, no entanto, o livro tem muito mais sutilezas e sub-tramas interessantes, e também uma série de conflitos que eu definitivamente não lembro de ter visto no filme. O autor toca em questões de política, sexualidade, maturidade e principalmente fundamentalismo religiosos que, certamente, não estão presentes no filme. De fat, há uma enormidade de informação pra absorver no livro, e tenho certeza que a maioria dos temas vistos aqui serão aprofundados nos próximos dois livros - e pelos quais estou ansioso!

Uma das características que eu gostei é que o livro se passa em uma "versão alternativa" do nosso mundo, durante a era vitoriana. Há várias referências à locais reais (como Londres) , religião e costumes (a passagem da bíblia sobre o pecado original que aparece no livro é simplesmente preciosa), que de forma alguma ficam deslocados em relação aos elementos de fantasia adicionados por Pullman. De fato, o livro é tão bem construído que parece que aquela é a realidade verdadeira e nós vivemos em uma realidade paralela meio remendado!

Além disso, ele audio teve uma característica bastante distinta de todos os outros que escutei até agora: Ao invés de apenas um narrador, cada um dos personagens é interpretado por um ator diferente! A primeira vez que a voz do narrador é substituída por uma garotinha - que interpreta a protagonista - eu pensei "Nossa, esse cara é MUITO BOM! Levei alguns segunds pra me dar conta que não, não era o narrador fazendo vozinha de criança... E admito que foi bastante interessante escutar várias vozes diferentes ao longo do livro. Gosto de um único narrador, mas foi uma surpresa bastante interessante! 

Uma rápida questão com relação ao nome do livro: No original, o livro se chama Northern Lights, mas quando foi levado pros Estados Unidos, foi renomeado The Golden Compass. Eu gosto do título original, mas considerando que cos outros dois livros fazem referências à itens, admito que preferi a versão americana. Não faz muita diferença, mas enfim! 

Leitura fortemente recomendada! É um livro divertidíssimo, com uma trama concisa e uma série de elementos bastante interessantes e bem amarrados! 

domingo, 13 de novembro de 2016

The Redemption of Althalus

Esse audio book me causa um certo conflito de opiniões. Ele conta a história de Althalus, um ladrão, trapaceiro, gatuno, enrolador e ocasionalmente assassino (quando a situação exige) abençoado com a maior sorte do mundo, o que lhe garante a fama de ser um dos maiores ladrões que já existiu. Essa fama fez com que ele fosse contratado para roubar um artefato misteriosos de uma casa igualmente misteriosa, à beira do fim do mundo. Essa é a premissa básica do livro, magistralmente construída ao longo de seus primeiros capítulos.

Por um lado, achei absolutamente fascinante como os Eddings conseguiram me fazer simpatizar tanto com um criminosos contumaz como Althalos. Não costumo gostar de personagens ardilosos, particularmente os criminosos. Mas Althalos é tão bem construído que ao final do primeiro capítulo, mesmo sabendo que as coisas não podiam ser assim tão simples, eu já estava torcendo por ele.

Além de um protagonista que tem tudo pra ser extremamente interessante, a história conta com um gato falante e uma casa única, com vários conceitos bastante interessantes - se não originais - em um romance de fantasia que definitivamente fazem o leitor querer ir adiante na leitura.

O narrador do livro Hayard Morse é excelente. Apesar de suas vozes femininas não serem particularmente brilhantes, ele adiciona não só diferenças de tonalidades aos personagens que está narrando mas também adiciona sotaques e, pelo que pude perceber, nunca se perde com relação à "quem-fala-de-que-jeito". Espero ouvir mais audios dele (ele narrou alguns livros do Bernard Corwell, então acho que devo encontrar com ele mais vezes por aí).

Infelizmente, no entanto, o livro tem alguns problemas.

primeiro, o número de localidades e principalmente coadjuvantes (eu consigo lembrar de umas 20 personagens relevantes pra trama assim, num piscar de olhos) fazem com que seja extremamente difícil conseguir manter todas as informações bem organizadas. Isso é particularmente verdade com relação à audio books. Se estivesse lendo um livro, provavelmente teria começado a anotar nomes de localidades e personagens assim que o quinto ou sexto nome de cada fosse mencionado. Mas como geralmente escuto enquanto estou praticando alguma outra atividade (como ir de um lugar ao outro, desenhar ou cortar grama) isso é impraticável. Assim, além de ter me atrapalhado com o nome de vários personagens coadjuvantes (que, pra piorar, as vezes têm mais de um nome!) ainda por cima é muito difícil se apegar a qualquer um deles, já que eles não tem desenvolvimento suficiente ao longo do livro pra serem mais do que um simples conceito ("Ok, esse aí é o clérigo", "Ah, essa é a bruxa", "Hum esse é o chefe do clã que gosta de cerveja - ou é o que gosta mais de dinheiro...?").

Finalmente, como o próprio título do livro diz, essa história é sobre a redenção de Althalos. Assim, depois de construir o personagem e fazer o leitor simpatizar com ele, o resto do livro trata de descontruir o personagem! Muitas vezes, alias, de formas paradoxais e sem muito sentido. Cheguei ao final do livro com a impressão de que ele não tinha se redimido, mas sim colocado seus servições à disposição de uma causa, e só.

É um livro longo (foram 27 horas de audio) e cheio de informações, com uma trama interessante, mas com sub-tramas demais e principalmente um excesso de personagens e informações. Eu diria que é um bom livro, mas definitivamente indicaria para ser lido ao invés de escutado - e de preferência com um mapa do cenário e um bloco de anotações para os nomes dos personagens à mão!

sábado, 29 de outubro de 2016

The High Druid of Shannara

A trilogia de livros The High Druid of Shannara dá continuidade à série anterior, Voyage of Sherle Shannara, e se passa cerca de 30 anos depois dos eventos descritos na trilogia anterior - o que, admito, foi uma surpresa, já que, até então, cada série de livros de Terry Broks tinham pelo menos uns 300 anos de distância umas das outras, com os personagens da história anterior quase sempre tendo se tornado apenas lendas e histórias - exceto, claro, algum druida que fazia a ligação entre uma série e outra. Nesse caso, no entanto, Brooks trouxe de volta praticamente todos os personagens da trilogia anterior, a maioria deles com papeis importante, apesar de seus papéis secundários na narrativa, adicionando alguns novos personagens como protagonistas.

Admito que fui pego desprevenido por essa mudança de lógica - e, de fato, fiquei até um pouco preocupado, considerando que não tinha me apegado muito aos personagens do livro anterior. No entanto Brooks faz um bom trabalho em retomar a trama anterior e adicionar novos elementos nessa trilogia.

O único ponto negativo que consigo apontar com relação à trama é o fato de algumas partes do cenário terem evoluído muito mais rapidamente e surpreendentemente do que seria esperado. Notavelmente, a Ordem dos Druidas, que tanto Alanon quanto Walker tinham lutado longamente para reerguer, praticamente sem sucesso ao longo de 600 anos, e que na trilogia anterior tinha sido praticamente desmembrada, foi instituída e tornou-se um poder a ser considerado nas Quatro Terras em apenas 30 anos. Admito que essa parte ficou um pouco entalada na minha garganta ao longo de toda a leitura.

No entanto, os pontos positivos dessa trilogia são vários. Os novos protagonistas são extremamente interessantes, a trama é consistente e muitos elementos dos livros anteriores foram revisitados com bastante sucesso - eu me peguei mais de uma vez falando em voz alta coisas como "Nossa, por essa eu não esperava!" A Elcrist e o Exílio (que haviam sido parte central de algumas tramas, mas tinham sido bem pouco explicados ou explorados), Jaaka Russ (que tinha sido mencionado lá em Wishsong of Shannara), Trolls como "raça coadjuvante" no lugar dos Elfos, como Brooks quase sempre fez, o uso de Airships, exploração de magia druídica... A única coisa que essa trilogia não teve, pela primeira vez desde Espada de Shannara, foi a presença de um Leah ao lado do Omsford protagonista (o que foi uma pena, porque um personagem portando a Espada de Leah nessa história teria sido algo bastante divertido de ver!).

De fato, essa foi, depois da trilogia original, a minha história favorita da série de Shannara. Não teria sido nem metade do divertimento se eu não tivesse lido todos os livros anteriores, provavelmente, mas como eu já tinha todo o embasamento do cenário ao meu lado (e bem fresco na memória, o que provavelmente também ajudou) essa foi uma trilogia extremamente divertida de ouvir!

Alias, fiquei particularmente satisfeito com isso porque esse foi o meu último aodio book do cenário. Não tive oportunidade de comprar as duas trilogias mais recentes (e nem tenho certeza se a última já existe em audio) e tenho uma enorme "biblioteca" de livros em audio que quero ouvir, fora do cenário de Shannara.

Assim, essa foi minha última resenha sobre um livro de Shannara provavelmente por um loooongo tempo... Mas espero um dia voltar à ela e ler pelo menos as duas trilogias mais recentes (que acontecem, cronologicamente, depois de The High Druid of Shannara, o que significa que vou poder manter minha estratégia de ler o cenário em ordem cronológica de eventos).

Recomendo fortemente a leitura - ou a escuta - de todos os livros de Shannara a partir de First King of Shannara (os livros anteriores, como eu já disse, adicionam pouco ao cenário e não são particularmente divertidos de ler/escutar)! Alias, adoraria que alguém aí se aventurasse na leitura pra eu poder trocar uma idéia sobre o cenário!

E falando em cenário, fiquei surpreso em descobrir que ninguém usou esse cenário pra produzir livros de RPG! Pô, tão perdendo uma baita oportunidade! Quem sabe um dia eu não me arrisco em fazer uma pequena adaptação caseira?

Bom, adeus Shannara, que venham novas sagas!

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O Nome do Vento

Tenho ouvido falar nesse livro há anos, recomendado por vários amigos. Admito que, no entanto, nunca me interessei em ler, particularmente depois de descobrir que se tratava do primeiro livro de uma trilogia cujo último livro ainda não tinha sido publicado - já é suficiente ter que esperar pelos livros das Crônicas Saxônicas. Agrava o caso o fato do primeiro livro ser de 2009 e o segundo ser de 2011. Dois anos entre os primeiros dois volumes, e agora um intervalo de cinco anos e nada do terceiro. Sabe-se lá quanto tempo vai levar ainda pra que a história seja concluída. 

Mas, então, consegui o livro emprestado à alguns dias, e apesar da resistência, resolvi ler. Afinal, o máximo que poderia acontecer - além do livro ser muito ruim, claro - seria ter uma história sem fim. Poderia ser pior, considerando o número de livros que tem finais tenebrosos. 

Enfim! Estou divagando! 

Vamos ao livro! 

Vou tentar manter essa resenha o mais livre de revelações sobre a trama quanto possível - a própria capa do livro já dá uma quantidade enorme de informação, na verdade, e eu vou me ater aos aspectos mais óbvios sobre o livro e à minha experiência de leitura. Vou deixar pra falar da trama em si quando fizer a resenha do Temor do Sábio, o segundo volume. 

A história gira em torno de Kvothe, o tal Matador de Reis sobre o qual a trilogia de livros gira em torno, que, aposentado e vivendo como um simples estalajadeiro em uma pequena cidade meio isolada, é procurado por um cronista que quer escrever sua história. Apesar de inicialmente relutante, Kvothe acaba concordando, mas exige que a história seja contada em três dias - dai o subtítulo Primeiro Dia já que esse primeiro volume trás as narrativas da primeira noite de narrações do protagonista. Nele, Kvothe narra sua infância e adolescência, das suas primeiras memórias até seus quinze anos. 

Não vou entrar no conteúdo dessa narrativa, exceto pra dizer que, além de muitas habilidades extremamente diversas em campos de atuação bastante variados, explicadas de forma concisa pelas experiências singulares da infância de Kvothe, a coisa toda gira em torno da busca dele por conhecimento sobre uma entidade ancestral - aparentemente maligna, mas eu admito que não estou completamente convencido disso ainda - e seu contato com o aprendizado de magia, além de uma paixão pela música. 

O ponto alto do livro, alias, são as narrativas de Kvothe tocando seu alaúde. São realmente bastante inspiradas, e fazem o leitor prender o fôlego durante as passagens em que Rothfuss decide explicar como o protagonista está se sentindo enquanto toca. 

Infelizmente, pra mim, o livro tem alguns problemas. A trama é mais centrada no dia-a-dia de Kvothe e suas relações com outros personagens, deixando em segundo plano as questões sobre magia e história do cenário, que, pra mim, são muito mais atraentes. Sim, ele constrói um personagem extremamente complexo e cria um vínculo entre ele e o leitor, mas esse mesmo personagem vive em um mundo meio vazio, sem horizonte, e possui um conhecimento amplo sobre ciências que são mantidas em segredo do leitor, que, portanto, não entende como e porque Kvothe pode fazer o que ele pode fazer - mesmo que isso seja tratado com naturalidade pelos personagens ao redor do protagonista. 

Além dessa falta de interação com o mundo, o segundo grande problema do livro é o fato da narrativa não ter um climax. Há alguma ação no livro, mas não há um ponto alto. A história simplesmente vai indo, sem grandes acontecimentos, e o que é pior, os acontecimentos interessantes são tratados como coisas cotidianas, sem grande impacto no cenário ou no próprio personagem, o que é extremamente enervante. 

Em resumo: Rothfuss cria um cenário interessante, mas deixa o leitor muito afastado dele, se concentrado em um personagem que, embora seja bastante carismático, é cercado por segredos e, na maioria do tempo, "não pode contar" coisas interessantes. Ou seja: o leitor é mantido no escuro durante toda a leitura, sobre praticamente todos os assuntos. Tenho certeza que pra alguns esse não é um problema, mas pra mim foi extremamente frustrante. Vou pro segundo livro esperando que Rothfuss explique uma série de coisas sobre Siglistica, Simpátia, Nomeação, demônios, fadas, propriedades do ferro e um sem número de outras coisinhas, mas sem grandes esperanças de que ele o faça. O autor parece um ótimo instigador mas aparentemente não é muito bom explicador, infelizmente. 

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

The Voyage of Jerle Shannara Trilogy

Dando continuidade á minha 'leitura' dos audio books da série de livros de Terry Brooks sobre o cenário de Shannara, escutei a trilogia "The Voyages of Jerle shannara". A trilogia é composta pelos livros Isle Witch, Antrax e Morgawr.

O Jerle Shannara do título não é o mesmo rei Jerle que portou a Espada de Shannara originalmente, mas sim um air ship batizada com o nome desse rei. air ships são uma tecnologia mágica apresentada nessa trilogia e funcionam basicamente como navios, mas, como o nome indica, "navegam" pelo ar.

A história se passa cerca de 300 anos depois dos acontecimentos narrados em The Heritage of Shannara. Assim como a série de livros anteriores, apesar de ser dividido em vários livros (três, nesse caso, como o título da série indica) essa trilogia contem uma única história. Nesse caso, conta a viagem do air ship Jerle Shannara em sua tentativa de recuperar não apenas um grande poder mágico perdido em algum lugar do Grande Azul (o oceano ao oeste das Quatro Terras) mas também de desvendar o mistério do retorno do herdeiro real de Arbalon depois de seu desaparecimento por cerca de 30 anos depois de sair em busca do tal tesouro mágico.

O grupo é liderado por Walker Boh, também conhecido como Dark Uncle, o último dos druidas das Quatro Terras. Como nas sagas anteriores, temos um nobre das Highlands portando a Espada de Leah, um membro da família Ohmsford portador do Wish Song e também a Espada de Shannara que, como de se esperar, tem um papel central na trama.

Os t´tulos dos três livros fazem referência aos três grandes vilões enfrentados nos livros. Alias, vilões extremamente interessantes, cada um com aspectos bastante diferentes entre sí e construídos com primor. O fato deles emprestarem seus nomes aos livros onde aparecem é merecido!

Além de muitas situações inusitadas e bastante criativas nos três livros, o combate final do terceiro livro é definitivamente o ponto alto da série, incluindo quatro (!!!) criaturas com poderes sobrenaturais lutando entre si, com um desfecho empolgante!

a própria 'tecnologia' de air ships, além de muito bem utilizada nos livros, cria uma série de situações bastante inovadoras e é bem explorada nos livros - não e só um 'navio diferente', mas sim inclui um conceito todo novo que Brooks desenvolve com muito desenvoltura. Tou esperando por armas de pólvora aparecendo de forma criativa na próxima trilogia!

The Voyage of Jerle Shannara só tem uma falha: com seus vilões criativos e interessantes, os protagonistas acabam ficando em segundo plano na história, e mesmo sendo interessantes, não são tão bem explorados quanto poderiam. Apesar disso, é uma história extremamente divertida, com muitos elementos novos bem entrelaçados com as características clássicas do cenário. Leitura fortemente recomendada!

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Os Náufragos do Ar - A Ilha Misteriosa

Sempre tive uma curiosidade enorme de ler A Ilha Misteriosa, porque sabia que o livro concluía a história do Capitão Nemo, narrando seu destino depois dos acontecimentos narrados em Vinte Mil Léguas Submarinas, um livro que li ainda adolescente e que me deixou boas lembranças.

Infelizmente, porém, essa edição da editora Villa Rica - da qual eu nunca tinha ouvido falar, alias - contém apenas a primeira - e extremamente chata - parte do livro. Sem qualquer aviso de que se trata de uma versão parcial da obra, o livro me enganou lindamente.

Por alguma razão misteriosa, a editora decidiu por bem dividir a obra em dois -ou mais, não pesquisei - volumes. Sim, tem um "I" ali, depois do "subtítulo" do livro (eu só percebi isso agora, quando escaneei a capa pra ilustrar essa postagem. Uma escolha infeliz de cores esconde essa informação de maneira magistral. É quase um "onde está Wally"! Pior, a cena retratada na capa mostra, justamente, um dos últimos eventos da história, que obviamente não está presente no livro! Em nenhum momento desse primeiro volume há qualquer indício de que o vulcão explosivo da capa apresenta algum perigo aos náufragos - de fato, em um dado momento do livro, eles passeiam por dentro da cratera do vulcão, completamente inativo! Mancada feia, Vila Rica!

O livro, nessa versão estripada, narra a chegada e a "colonização" da ilha pelos náufragos, apenas, apresentando inúmeros mistérios - como o misterioso salvamento de Cyrus, o lider da expedição e a "criatura" do lago que salva Top, o cão grupo - que só serão revelados nos volumes seguintes. Bastante frustrante. Alias, falando no salvamento de Top, ele é atacado por uma criatura terrivelmente perigosa, uma "vaca-marinha" (na verdade, um dugongo) de uns... 14 quilos Considerando que um dugongo nasce com um peso que varia de 20 à 35 quilos, essa "terrível fera" devia ser um aborto morto-vivo, pelo peso. Um dos inúmeros erros do livro, que converte algumas medidas, como as de peso (e erram ao fazer isso) mas não distâncias, mantendo as milhas originais do livro. Uma confusão.

A Ilha Misteriosa trata do "naufrágio" de um grupo de cinco prisioneiros de guerra americanos, que, durante a guerra da sesseção escapam das tropas sulistas usando um balão, mas são pegos por um furacão que os joga em algum ponto do hemisfério sul, próximo à Nova Zelândia ("próximo" significa cerca de 2.500 quilômetros, nesse caso). O grupo, liderado pelo engenheiro Cyrus Smith, consegue, em meio ano, não só sobreviver na ilha (aparentemente abandonada) mas também criar uma colônia com duas habitações, com direito à paredes de tijolos, fornos, forjas, ferramentas de aço e até nitroglicerina! Sim, os caras são ninjas!

No decorrer da história (não contada nesse livro) eles acabam resgatando outro náufrago em uma ilha próxima, Ayrton (personagem de outro livro de Verne, Os Filhos do Capitão Grant), encontram e treinam um orangotango, enfrentam um ataque pirata e, finalmente, descobrem a presença do capitão Nemo na ilha - que no climax do livro, acaba sendo destruída pela erupção do Monte Franklin, um vulcão não tão inativo quanto se pensava. Sim, a segunda parte da história é bem mais eletrizante do que a primeira, o que me faz refletir no porque de dividir a obra em duas... Editoras. Nunca vou entender o que acontece dentro delas...

Enfim!

Aqueles que tiverem acesso à este livro e sua(s) continuação(ões) ou uma versão integral da Ilha Misteriosa podem ter certeza que é uma obra interessantíssima, particularmente se for lido em seguida de Vinte Mil Léguas submarinas.

Essa versão da editora Villa Rica, no entanto, por todos os problemas citados acima, não merece atenção. Há versões integrais da obra publicadas em português em diversas épocas, então não é exatamente uma dificuldade de se encontrar uma boa tradução integral, tanto em livrarias quanto em sebos. Sugiro fortemente que seja preferida uma versão com ilustrações - vindos da obra original - que são de encher os olhos!

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

The Heritage of Shannara

 Continuando com minha pequena aventura no cenário de Shannara, aqui vai a resenha da mais recente série de livros escritos por Terry Brooks para o cenário.

The Heritage of Shannara é uma quadrilogia de livros que se passa cerca de 300 anos depois da série original, composta por  The Scions of Shannara, The Druid of Shannara, The Elf Queen of Shannara e The Talismans of Shannara. Eu pretendia fazer uma resenha de cada livro, mas no final do primeiro volume fica claro que apesar de estar em quatro livros separados, essa série - assim como as séries que Brooks escreveu depois de sua trilogia original - é uma grande história única, e não faria sentido fazer uma resenha de cada um deles separadamente.

Heritage of Shannara é o primeiro arco de histórias passada depois da trilogia original (Sword, Elfstones e Wishsong) em ordem cronológica. Nessa saga, acompanhamos os quatro herdeiros da linhagem Shannara/Ohmsferd lidando com a última busca ditada pelo espírito de Alanon, o último dos Druidas. Eles devem lidar com uma nova ameaça que está infestado as Four Lands (eu realmente gostaria de achar uma tradução legal pra isso, mas "Quatro Terras" parece coisa de universo alternativo da DC Comics...), trazer os elfos de volta (sim, os elfos de Shannara estão SEMPRE fugindo/se escondendo/metendo a cabeça na areia e fodendo tudo no processo...) e ainda restabelecer a ordem dos Druidas - que, com Alanon, que era o último druida, morto há mais de 300 anos, significa criar uma nova ordem meio que do nada, na verdade.

Cada um dos três primeiros livros acompanha um dos herdeiros em sua busca particular, enquanto o quarto e último livro mostra o desfecho da história, com as explicações que não foram dadas ao longo dos livros anteriores, a maioria das explicações de porquês/comos as coisas aconteceram e como os herdeiros irão lidar com suas descobertas e com os resustados de suas buscas.

Uma das coisas que eu gostei muito nessa série foi o fato de Brooks ter trazido de volta todos os elementos da trilogia original de uma forma ou outra. Temos a Espada de Shannara, a Espada de Leah, as Pedras Ellficas originais, um possuidor do Wishsong, um druida solitário, três grupos em busca de três objetivos que vão mudar a história do mundo... É quase um remake, mas não se enganem, é uma história completamente diferente, apesar de todos os pontos em comum! E isso é o mais divertido em Heritage of Shannara!

Na verdade, depois de demorar algum tempo pra entender que tudo tinha mudado em termos de política das Four Lands - os anões escravizados, os elfos fugindo DE NOVO!, um grande exército humano dominando tudo e impondo suas leis tirânicas... - e que grande parte disso era, outra vez, maquinação de uma força maligna - muito embora dessa vez a tal força maligna aparentemente sabe o que está fazendo e tem um plano conciso e eficiente - o que me tomou boa parte do primeiro livro, o resto da história na verdade foi extremamente divertido. Em retrospecto, na verdade, eu acho que gostei mais dessa história do que dos três livros originais. Adoro quando o autor explora o cenário e faz o leitor pensar "Ei, eu lembro disso, lá daquele outro livro!"

Minha única crítica é que a história é muito enrolada. Muitos acontecimentos parecem tomar muito mais tempo do que o necessário, e certamente a história podia ter sido comprimida em três livros - ou, na verdade, se eu estivesse lendo os livros físicos, provavelmente acharia desperdício de capas a história não estar em um volume único.

Então, fora a encheção de lingüiça - que não é particularmente exagerada - e do maldito plot dos elfos fugindo e se escondendo em um lugar bizarro mais uma vez - que, isso sim, já cansou... - essa é uma boa história, com personagens interessantíssimos e um excelente uso do cenário desenvolvido ao longo dos outros livros!

Praqueles interessados em conhecer Shannara, definitivamente esse é um livro indicado pra tanto!

sábado, 9 de julho de 2016

De Bárbaros e Bruxas

Um Jarl chega às terras de outro num fim-de-tarde sombrio, e com a promessa de uma noite tempestuosa, é convidado à sentar-se e beber da hospitalidade de seu anfitrião.

Tendo recebido seu irmão-de-armas, após os preparos necessários, ambos sentam-se no grande salão, solitários exceto por alguns barris de cerveja e um fogo já meio morto. Lá fora, a noite ruge em ventos negros e relâmpagos pálidos.

Depois de degustarem alguma comida, ambos acendem seus cachimbos para acompanhar suas cervejas, e o anfitrião, depois de ouvir intensamente a noite lá fora por alguns minutos, começa:

- Ah, meu amigo... As madrugadas são o lar das malditas coisas que vêm pelas brechas formadas pelos ângulos da mente desperta.

- A mente desperta... Qual foi a maldita coisa de agora?

- Uma sombra. Um espectro. Não sei bem definir. Uma coisa. Odeio lucidez demais.

- Tu viu? Na tua torre?

- "Ver"... Hum... Não tenho certeza se ver seria o verbo correto. Não acho que ela teria um verbo correto.

- Lucidez é uma coisa útil, às vezes, mas um bom andarilho da madrugada sabe que a noite traz coisas interessantes á nossa cabeça. A criatividade é uma das maiores beneficiadas!

- A criatividade cria medos e dúvidas. Sombras. Eu não queria nada disso. Não queria estar lúcido. Eu quria algo que eu pudesse cortar, apunhalar, golpear. Algo que sangrasse e lutasse de volta.

- Com o monte de cerveja qe tens aqui, não é difícil deixar de estar lúcido!

- De fato! Chifres e cascos! Acho que vou mesmo me dar um pouco de esquecimento etílico!

- Coisa do demo!

Ambos riem e canecas de cerveja são servidas e bebidas. O anfitrião volta a falar:

- Meu inimigo tem meu sangue. E ele conhece o campo de batalha. Mas eu tenho ao meu lado o fator surpresa. O exército dele é maior, e eu acho que sou taticamente mais apto. Mas estou em dúvida. Não sei se devo ou não atacar. Sempre odiei atacar outros nórdicos... Decisão difícil.

- Atacar outro nórdico pode não ser legal. Se você for perder homens do teu exército, pior ainda. Eles precisam fazer a colheita!

- É no que estou pensando.... Vou perder homens demais....

- Quando não sobravam mais inimigos os nórdicos sempre brigavam entre sim... O grande defeito deles.

- É que nesse caso, o ganho é imenso!

- O orgulho e a sede de sangue dos deuses...

- Um tesouro que não pode ser medido em palavras! Hum... Sede de sangue.... Será isso?

- Uma vez tinha um cara que se chamava Beowulf, e ele queria uma coisa rica e poderosa que não podia ser medida em palavras... E, para encurtar a história,  ele se fudeu no final.

- Malditas lendas nórdicas!

- Pois é...

- Recuar, recuar.... Tão perto. Tão perto.... Maldita sombra.

- Ivar Ivarson morreu em ampla vantagem numérica e moral... O descontrole e a raiva não deixaram ele pensar direito e ele sucumbiu ante a coragem e determinação de Uhtred Ragnarson, que era mais jovem e não estava precisando recuperar PVs como ele!

- Háh! A diferença é que meu inimigo é jovem, tolo, despreparado e está mole pelos anos sem guerra!
 E ele nem sabe que eu estou aqui!

- Sempre há um risco. Não sei. Um ealdormen não deveria dar conselhos ou instigar guerras e batalhas que não lhe afetam. Prefiro não opinar. Queira ou não queira batalhas trazem morte.
 E perdas.

Ambos bebem mais um pouco, imersos em seus próprios pensamentos. Até que o visitante retoma a palavra:

- Tu quer roubar a mulher desse cara? Para isso não precisas de guerra, mas de um bom sceadugengan!

- Porque sempre se trata de mulheres?

- Porque nórdicos gostam de mulheres... O deus cristão não gosta, mas Frey tem Freya e Odin e Thor são os guerreiros fornicadores... Aesires, Vanires, todos gostam de desembainhar as espadas!

Ambos gargalham e bebem longamente, antes do anfitrião, com um sorriso lupino no rosto, voltar a falar:

- Só um companheiro de fé me poderia por pra rir numa situação como essa!

- Ninguém entra no castelo com suas armas. E se tu usar teu privilégio de usar a tua porque estás no teu castelo, estás abusando e ferindo tua própria honra.

Ambos bebem em silêncio por um momento, até o visitante exultar com emoção:

- Wyrd Biõ Ful aered!

Há o choque de canecos de um brinde amistoso, e depois de grunhidos de satisfação e mais cerveja ser sorvida e as canecas serem enchidas novamente, o visitante continua:

- Há dias tu vem falando de uma mulher misteriosa e só diz: ela, ela ela... Tu vai roubar a mulher de quem?

- Chifres e cascos! Eu tenho mesmo falado nisso?

- Consideravelmente!

- Esse é exatamente o problema, meu bom amigo.... Eu não posso falar quem é, e no entanto....
 Não consigo pensar em outra coisa.

- Não sendo a minha, as lanças dos meus homens vão continuar imóveis, escoradas nas muralhas cinzentas da minha fortaleza!

- Não te preocupes! Se eu me visse desejoso das tuas terras, preferiria cortar minha garganta antes de atacar!

- Mas guerras são guerras e se tuas tropas se moverem tu vai provocar derramamento de sangue...

- Ah....  O calor da cerveja.  Eu precisava disso.  minha vista turva, e eu me sinto mais leve!

- Mulheres são como cerveja! Turvam o olhar dos homens, meu amigo!

- Garn e Fenris, eu tenho mesmo falado nela?  Digo... Tenho falado tanto assim?

- Não sei. Eu notei, e não sou nenhum Sherlock Holmes... Mas temos falado bastante. Quando uma mulher habita nossos desejos ela sempre aparece, em qualquer assunto. É como RPG!

- Isso é preocupante.  Me disseram que ela tem perguntado sobre mim. Mas eu acreditava que estava... Incólume? Segregado? Se eu tenho falado nela, imagino que deve ficar evidente quando estou com ela! Cifres e cascos! Isso é deveras preocupante!

- Ragnar era um senhor forte e imponente, dono de uma frota de três navios, governante das colinas, um líder generoso que dava muitos braceletes... E ele descartou Kjartan, que não parecia um aliado em potencial. Wyrd Biõ ful aered... Ganhou um inimigo mortal. Deixa um bom contingente guardando tua fortaleza e te afasta! Reúne alguns bons homens e vai saquear ou caçar javalis no sul. Espairar as idéias. Esquecer essa mulher... A paz sempre é valiosa e só percebemos seu valor quando entramos em guerra!

- Wyrd Biõ ful aered Se tiver que ser, será.  Tens razão.  Mas a maldita sede de sangue.....

- É Loki tentando nos aprontar! Na verdade conheço dois senhores do norte com os quais acho que não deverias mecher, pois os outros senhores não veriam isso com bons olhos: Struik e Bebaarde.
 O resto eu não conheço, e não ligo. Se um homem possibilita que roubem sua mulher é porque não tem dado a ela o que merece... E guerra é guerra. Se tu precisa... As fiandeiras aprontam!

- Tu achas mesmo que eu seria capaz de levantar minha espada contra qualquer um desses dois?
 Struik é um irmão de armas! A esposa dele é como uma irmã pra mim!

- Não conheço tua relação com eles. Conheço muito pouco os dois, infelizmente.

- Bebaarde é um senhor fraco. Vastos territórios e se empenha em batalhas contra outros povos. Inclusive já entrou em conflito com o Struik, certa feita. E tive que mover minhas tropas. Não gosto dele, nem sei se ele é bem visto.

- "É provérbio meu que, tendo excluído tudo que é impossível, aquilo que fica, por mais improvável que pareça, é a verdade."Conan Doyle - A Coroa de berilos. - Sherlock holmes. Pensando assim, as únicas mulheres com quem sei que trocas correspondências são a Heks e a Rozen. Não citei as duas por mal. Foi só uma leitura superficial.

- Estranho tu veres a Heks trocando correspondências comigo, já que em geral nos falamos ao vivo.

- Ah, então foi nas correspondências com a Moer. Pessoas envolvidas, enfim. Essas cartas são comentadas por todos, não sou um bisbilhoteiro!

Ambos gargalham amistosamente, e o anfitrião retoma a palavra:

- Minha vida é um livro aberto, meu caro! Nada do que pudestes encontrar nos meus alfarrábios mancharia minha honra!

- Que bom! Quando os fatos estão expostos a todos não precisamos de explicações para desembainhar a espada em público quando ferirem nossa honra! Mas fiz loucuras de amor bem toscas e tenho plena convicção de que até mesmo os homens mais maduros podem fazer merda quando estão apaixonados. E isso é legal porque mostra nosso lado primitivo. Quando Cernunnos quer que pensemos com a cabeça de baixo, meu amigo, sai da frente por que vão ser apenas chifres e cascos!
 Todas as leis, medos, vergonhas, responsabilidades desaparecem e só dá ELA.

- Esse é exatamente o problema. Os anos me ensinaram a agir com a cabeça. E eu sei que sou bom fazendo isso.  Mas nesse momento, só tenho vontade de desembainhar a espada e derramar sangue!
 E que hajam baixas! Que morram meus homens!

- Tu tem que decidir se tu quer a MULHER ou o SANGUE. São duas coisas diferentes, embora não pareça.

- So que depois de uma guerra muito sangrenta, a vitória pode ter mais gosto de derrota e cinzas do que o doce do hidromel.

- Exatamente! Beowulf de novo!

- Malditas lendas nórdicas! Mas me diz, o que queres dizer com mulher e sangue serem coisas diferentes? Acaso crê que eu derramaria sangue apenas pela luxuria da batalha?

- Lembra do Ragnar oferecendo a coroa da Nortúmbria pro Uhtred? Ele queria! Sede de poder! Mas sabia que como rei só teria compromissos e chateações. Como guerreiros pode ter as mulheres, as bebidas, a liberdade, o regozijo da batalha!  "Mas nesse momento, só tenho vontade de desembainhar a espada e derramar sangue!"

- O problema é que a coroa me interessa. Uma sala cheia de cerveja que me engorde e me deixe lasso, sem precisar voltar pro campo de batalha vez após vez. Cansei de errar e campear guerra. quero a paz gorda, quero a rotina chata de receber os senhores e seus pedidos, quero doar os braceletes que já conquistei, ao invés de encher meus braços de metal até que eles fiquem... ...pesados demais até pra levantare uma arma! Minha sede de sangue é por uma fortaleza forte, uma terra rica e uma vida chata!

- Te entendo! Cara, eu te conheço há uns anos, mas há pouco tempo te conheço como amigo próximo e só agora percebo algumas coisas. E uma delas é que andas bastante preocupado com a hora de essa terra rica e vida chata chegarem... E eu entendo essa tua preocupação, mas queria te dizer para não ficar tão preocupado. Nós vivemos numa sociedade fudida que tá pouco ligando para o nosso tipo de gente, então não precisamos seguir as regrinhas deles. Naquela época em que tu falava das Crônicas Saxônicas nas tuas missivas e ficou triste com o lance com a Liefje, tu escreveu uma carta muito triste e depressiva, cheio de "constatações" sobre si mesmo e foi muito triste ler aquilo. Mesmo que eu não te conhecesse eu não gostaria de ler. E o que eu posso te dizer é que tu não é aquilo, cara. Tu não é nenhum looser do jeito que tu te descreveu e a nossa hora chega. Relaxa! Se tu realmente quer essa mulher, vai lá e pega ela para ti! Mas não te preocupa demais. Deve estar parecendo que estou viajando na maionese e saindo do assunto, mas esses assuntos tem a ver um com o outro e eu queria falar isso e nunca tive oportunidade. Tu é foda, cara. Ninguém é melhor que ninguém nessa porra. Um castelo chato com uma rainha no trono ao lado não é melhor que a liberdade de andar para lá e para cá. Na paz temos sede de sangue, na guerra temos sede de paz. A gente sempre vai ver problema nas coisas e encher a cabeça de preocupações. É normal. Como já disse o cara aquele: a vida é o que acontece enquanto fazemos planos! Enjoy! Happy fun! Braceletes também são bons!

- Tu sabes que acabas de te contradizer de forma épica, certo?

-  Talvez, mas eu disse o que queria: Um trono chato com senhores vindo pedir coisas não é melhor ou pior que uma guerra incessante por ocupar esse trono. Então faz o que tu queres, é tudo da lei.

- Das sagas nórdicas pra bruxaria moderna de Crowley!  isso tá muito interessante!

- É... Porque os malditos padres não deixaram sobrar nada da bruxaria antiga.

- Valeu, Jakhals. De verdade. Eu na verdade ando bem feliz, por esses tempos... E essa foi só uma noite de melancolia sem lua numa infindável sucessão de noites de lua cheia! Mas foi bom trocar essas palavras! E se fosse fácil assim, eu ia lá e pegava essa mulher, mesmo. Mas admito que tenho muito, muito medo do que isso pode gerar.

- Eu sei, mas ali ainda surgiu uma reminiscência daquele pensamento de "eu tenho que casar e ter uma casa e filhos" e eu só queria ressaltar que tu vai ter isso, se quiser, mas que não precisa te preocupar!

- São os anos pesando nos ombros...

E em silêncio, ambos beberam até o barril estar seco e seus pensamentos estarem cheios, e então se retiraram, como sombras, e deixaram o forro morrer e a noite de tempestade se acalmar em uma manhã nublada.

(a conversa é uma transcrição ipsis literis de um encontro real, ocorrido há alguns anos atrás, e apenas os nomes dos envolvidos - e daqueles citados - forma alterados)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Praticamente Inofensiva

Finalmente cheguei ao fim da Trilogia de Cinco do Guia do Mochileiro das Galáxias!

Depois de um terrível desapontamento com o terrível Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes, que foi, digamos, uma obra com gosto de chá de camomila com quatro colheres de sopa de açúcar, cheguei um pouco receoso ao quinto e último livro da Trilogia de Cinco.

Mas, por sorte, o livro é bom! Não excelente, como os dois primeiros volumes, mas tão bom quanto o terceiro, certamente!

Apesar de Zaphod Beeblebrox e Marvin, o Androide Paranóide não aparecerem no livro, os outros personagens da série (Trillian, Ford Prefect e Arthur Dent) estão aqui, diferente do livro anterior, focado apenas em Arthur Dent - e na tenebrosa Fenchurch, a mulher-água-com-açucar.

A história também retoma algumas coisinhas da trilogia original que foram completamente deixadas de lado no quarto livro, como Vogons, o próprio Guia do Mochileiro das Galáxias e até mesmo as últimas palavras de Agrajag de que Arthur encontraria ele em Stavromula Beta.

O livro também retoma o clima nonsense dos primeiros livros e, apesar de não fazer isso tão magistralmente, definitivamente permite que o leitor relembre o quão bom os primeiros volumes foram - e que bela bosta foi o quarto!

Li pela internet afora que, na verdade, alguns fãs da série não consideram esse livro como pertencente à saga do Guia do Mochileiro das Galaxias - eu, particularmente, preferiria desconsiderar Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes, mas ok... - provavelmente por conta do final, que encerra a série definitivamente, o que pode ser uma alegação válida, apesar dos personagens do livro, já que a trama revolve em torno de realidades alternativas. O próprio Douglas Adams considera que o quinto livro realmente termina de forma um tanto quanto sombria, e enquanto escrevia O Salmão da Dúvida, chegou a dizer que talvez fosse depurar o conteúdo do livro e transforma-lo em um sexto livro da série do Guia do Mochileiro das Galaxias - o livro, infelizmente, não chegou a ser terminado antes da morte de Adams, e portanto nunca saberemos se essa possibilidade poderia mesmo ter ocorrido.

Apesar de haverem outros livros e contos ligados ao universo do Guia, creio que não devo voltar à esse universo, já que esses outros livros não foram escritos por Adams - exceto por Young Zaphod Plays it Safe, que provavelmente, como o nome indica, gira em torno de Zaphod Beeblebrox, o personagem da série que eu menos gosto, e portanto não me chama a atenção.

Como uma nota relativa ao universo do Guia do Mochileiro das Galáxias, descobri também que Douglas Adamns criou uma "edição terra" do Guia, na forma de um site, antes mesmo da Wikipedia dar as caras, e que parece bem interessante! Pra aqueles interessados, o site é o h2g2, e me pareceu bem interessante, pelo pouco que li.

Bom, pra finalizar, eu diria aos interessados na série que fiquem só nos primeiros dois livros, ou, se quiserem um pouco mais de divertimento, o terceiro e o quinto livros são boas pedidas. Mas, façam um favor à si mesmos, e fiquem longe do quarto livro!

Finda essa resenha, só me resta dizer Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes!

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A Study in Emerald


A Study in Emerald é um conto de Neil Gaiman sobre Sherlock Holmes passado no cenário dos Mythos de H. P. Lovecraft - sim, o cara do Chutulhu!

É, parece uma salada monstruosa de batata com pizza inglesa picada e cobertura de polvo cru, eu sei. Mas acreditem: É muito bom!

Esse conto está presente no livro Coisas Frágeis, que eu já resenhei aqui no Café com Letra, e inclusive já mencionei lá - como sendo "Surpreendentemente surpreendente!" E tenho que dizer que, após ler o conto outra vez, agora no original em inglês, eu definitivamente concordo comigo mesmo com relação à isso!

É, essa afirmação ficou meio maluca. Deve ser influência de algum Grande Antigo.

Não, eles definitivamente não se importam tanto assim comigo. Deve ter sido o melete de cogumelos que comi mais cedo, mesmo.

Enfim!

Gaiman publicou esse conto tanto em Coisas Frágeis como em Shadows over Baker Street - que é uma coletânea de contos de vários autores misturando as obras de Arthur Conan Doile e H. P. Lovecraft. Sim, a idéia é boa e muita gente parece ter embarcado nela!

A parte divertida aqui é que Gaiman disponibilizou o conto em sua página pessoal - e com o bônus de ter usado um lay-out e ilustrações que fazem o conto parecer estar impresso em um folhetim de época, incluindo uma série de propagandas de produtos que remetem à outros personagens folclóricos como Drácula, Frankenstein e Doctor Jekill. Uma sacada genial!

O link pro conto está bem ali à vista no site do Gaiman, mas eu vou deixar aqui um segundo link, diretamente pro material em .pdf pra quem preferir ir direto pro conto sem precisar passar pelo site - sei lá, mas vai saber? Tem maluco de todo jeito nesse mundo.

Ah, sim: Como o título sugere, o conto está em inglês. Pra ler em português - sem o lay-out e as ilustrações, infelizmente - só no livro Coisas Frágeis, mesmo.

"Mas é só isso a resenha, Domênico?" pergunta alguém. Sim. Se Sherlock Holmes encontra Chutulhu não é atrativo suficiente pra tu ler o conto, então não adianta eu gastar meu latim aqui. E não tem muito mais que eu possa usar pra resenhar esse conto do que Sherlock Holmes encontra Chutullu, de qualquer modo, então...



Ph'nglui mglw'nafh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn

sábado, 4 de junho de 2016

Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes

Depois de uma breve pausa para ler Stonehenge, voltei à Trilogia de Cinco do Guia do Mochileiro das Galáxias, pra terminar de ler ela dessa vez. Eu já tinha lido uma versão desse livro, "Adeus, valeu o peixo", publicada em Portugal - e como todos sabem (se não sabem, agora saberão) eu tenho sérias dificuldades em ler livros em idioma lusitano porque muitas vezes eu não entendo perfeitamente o que os tradutores querem dizer e as palavras ou semânticas completamente diferentes entre as duas línguas portuguesas acabam me catapultando pra fora do livro, impedindo uma imersão na leitura.

Quando li o livro pela primeira vez, portanto, culpei a língua lusitana pelo fato de ter achado o livro tão ruim - particularmente comparado com os outros três. Ledo engano. O livro é ruim mesmo, até em bom idioma tupiniquim.

Até Mais, e Obrigado Pelos Peixes tem três grandes problemas: A descaracterização dos personagens (subitamente Arthur Dent se torna um galã auto-confiante absolutamente hábil e capaz), um romance automático e sem sentido e a falta de nexo geral do livro, incluindo a lógica sem lógica do desaparecimento dos golfinhos.

Sim, porque ninguém explica porque diabos os golfinhos foram embora. "porque a terra estava pra ser destruída, oras!" diz alguém. Ok, seria válido, se os próprios golfinhos aparentemente não tivessem feito alguma coisa que impediu isso! O que eles fizeram nunca fica claro, no fim das contas - mas sabemos que foram eles por conta dos aquários presenteados à pessoas aleatórias. Que é outro problema. Porque eles deram os aquarios de presente pro Arthur - um humano sem nenhuma importância - pra Fenchurch - outra humana sem importância, exceto por ter descoberto alguma coisa que também não fica clara sobre o que é, apesar de ser aparentemente importante - e pro Wonko - que, esse sim, tinha pelo menos alguma ligação com os golfinhos - não faz sentido algum.

Ok, coisas sem sentido algum fazem parte dos livros do Guia do Mochileiro das Galáxias, mas mesmo as coisas sem sentido tem alguma lógica - geralmente distorcida. Mas essa história dos aquários eu realmente não entendi.

Alias, não entendi o papel da Fenchurch no livro, além de ser um par romântico pro Arthur, em um dos romances mais água com açúcar, gratuitos, sem razão de ser e desnecessários de todos os livros que eu já li. Sim, eu já passei por "casais destinados", mas em geral esses casais estavam em livros extremamente ruins e com uma história absolutamente medonha.

O que, pensando bem, é exatamente o caso aqui...

Douglas Adams disse que seu editor cobrou muito dos prazos, e por conta disso o resultado do livro ficou aquém do que ele gostara. Uma boa desculpa, mas eu fico imaginando quanto a mais de livro ele ia precisar pra fazer essa história ficar um pouco menos espinhosa, e definitivamente creio que só funcionaria se ele fosse totalmente reescrito.

Bom, vamos ver se Praticamente Inofensiva consegue ao menos fechar essa trilogia (de cinco volumes) de uma forma que salve um pouco a dignidade dos três primeiros livros apesar desse quarto volume tenebroso.

Aceito críticas e defesas efusivas nos comentários, mas duvido que alguém consiga me convencer de que esse livro vale o papel no qual foi impresso.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Stonehenge

Atenção: Essa será uma resenha longa e analítica, com um monte de dados históricos e com algumas reflexões pessoais acerca do livro e de seu tema. Resumidamente: Comprido e chato. Mas pelo menos, não vai ter nenhum spoiler, então fiquem tranquilos com relação à isso - já é alguma coisa, certo? 

Primeiro, um pouco com relação à minha história pessoal com esse livro - o resto vai se desenvolver a partir daí: 

Consegui minha cópia de Stonehenge diretamente do Oscar, lá da Montecristo - e depois de já tê-lo agradecido pessoalmente, esse é meu reconhecimento público! De fato, eu queria há muito tempo ler esse livro. Foi através dele que conheci Bernard Cornwell, e sem ter ouvido falar sobre esse livro em particular, anos atrás, eu provavelmente nunca teria tido as conversas que me levaram à descobrir seus outros livros. Então, muito grato, Oscar, por finalmente permitir que eu lesse o livro que me fez conhecer o meu autor contemporâneo favorito!

Fiquei sabendo da existência do livro Stonehenge por conta de uma pesquisa que fiz sobre druidismo alguns anos atrás. Stonehenge era uma das literaturas recomendadas em praticamente todos os lugares que falavam sobre a associação dos Druidas com o círculo de pedras que dá nome ao livro. O que me leva à algumas explicações que me parecem necessárias sobre o monumento megalítico: 

Com relação ao nome: Stone é fácil, uma das palavras mais reconhecíveis do inglês. "Henge", por outro lado, é arcaica, e apesar de ter ganho muitos usos ao longo do tempo, acabou se tornando um termo extinto no inglês - talvez até por ter sentidos demais... Originalmente, ao que parece, o termo era usado como sinônimo de "forca" e suas derivações. Depois, foi associada à erguer, suspender, levantar, pendurar... E finalmente caiu em desuso. Então Stonehenge, numa tradução do inglês arcaico, seriam "pedras suspensas", nome dado por conta das placas em formato de lintel que compõem o monumento. 

Depois, com relação à origem: Esse monumento é da idade do bronze, em algum ponto cerca de quatro ou cinco mil anos atrás - Cornwell aponta que as datações dizem que ele é de cerca de 3.000 A.C., mas alguns pesquisadores dizem que ele é uns mil anos mais recente que isso. Não se sabe ao certo qual o objetivo de sua construção - nem para que finalidade era usado. 

Onde: fica nas planícies de Salisbury, próximo a Amesbury, no condado de Wiltshire, no Sul da Inglaterra - tanto Salisbury quanto Amesbury aparecem no livro de Cornwell: a primeira como uma colina sagrada, a segunda como Cathallo, a cidade vizinha de Ratharrym, que por sua vez é a cidade ao lado da qual é construído Stonehenge. 

No tocante aos Druidas: As pesquisas no local apontam que houve intensa atividade druídica em Stonehenge, mas como os druidas só chegaram àquela região por volta de 1.200 A.C., eles certamente já tropicaram com o local em amplo estado de degeneração, e nada tiveram a ver com sua construção - de fato, eles aparentemente não moveram uma única pedra de lugar! 


Bom, após toda essa conversa sobre Stonehenge, o monumento, vamos à Stonehenge, o livro! 

Antes de mais nada, é importante observar que o livro se passa na idade do bronze, na época da criação de Stonehenge - que, obviamente, não é chamado por seu nome contemporâneo nem uma única vez durante o livro. Isso significa que, pra maioria, nenhum elemento do livro é familiar. Esse é tanto um ponto positivo quanto negativo no livro: se por um lado não reconhecemos nada da cultura com a qual Cornwell lida no livro (afinal, quantos aí leram livros ou assistiram filmes passados na idade do bronze?) por outro lado é absolutamente incrível ver toda a cultura se desfraldando diante dos olhos a medida que o livro avança. 

E acredito que isso tenha muito a ver com a reação das pessoas que eu conheço que tiveram a oportunidade de ler o livro. Todas elas (foram quatro, que eu me lembre) leram uma parte dele e acabaram deixando-o de lado. Sim, elas desistiram dele. Todas forma unânimes: o livro é chato. Eu acredito que o problema do livro seja justamente o cenário. Quem já leu Cornwell sabe que ele faz excelentes descrições de batalhas e retrata muito bem a cultura dos locais onde suas tramas se passam. Mas é importante observar que os livros dele geralmente se passam em ambientes amplamente familiares: Europa do século 19 na série Sharp, ilhas britânicas tomadas por vikings nas Crônicas Saxônicas e a Europa medieval dominada pela igreja na trilogia do Graal. Mesmo quem não é um especialista em história conhece um monte de livros, filmes e jogos passados nesses cenários - ou amplamente baseados nesses cenários - o que nos coloca em uma posição confortável enquanto leitores. Cornwell não precisa descrever cada pormenor de uma cidade medieval pra que nossa imaginação complete o cenário. O mesmo vale para um bando de vikings fazendo um cerco ou mosqueteiros fazendo fumaça com seus rifles. Agora, idade do bronze... Não lembro de nenhum filme ou livro que se passe nessa época - se alguém lembrar, por favor, coloque nos comentários, este blogueiro agradece! 

No entanto, Corwell faz um excelente trabalho recriando o período histórico onde se dá a construção do monumento que nomeia o livro, e apesar de haverem poucas certezas com relação à Stonehenge, seja nos métodos usados para sua construção ou sua finalidade, Cornwell cria uma série de extrapolações, baseadas em pesquisas e em "achismos" pessoais que geram uma narrativa interessantíssima para explicar a Dança dos Gigantes. É interessante notar que, como há pouquíssimos achados arqueológicos ao redor de Stonehenge, Cornwell usa praticamente todos, amarrados de forma magistral. De fato, a trama toda do livro é excelente, com uma história sólida e narrada de modo magistral. 

O livro trata de xamanismo, principalmente, e do medo dos homens com relação aos deuses (ou seja: todos os fenômenos inexplicáveis ao redor deles, que na idade do bronze, eram muitos!) e isso é parte central da construção do monumento. Eu gostei, particularmente, do fato dele ter incluído no livro ilustrações das várias fases da construção do templo, seguindo com exatidão todas as descobertas com relação à ele, mesmo que obviamente tenha extrapolado os motivos e, suspeito, algumas questões cronológicas. Mas, é claro, como se sabe tão pouco sobre o local, não é particularmente importante o quão acurado histórica, religiosa e arqueologicamente o livro está correto - afinal, é uma ficção, não um tratado científico - apesar de, claro, uma boa quantidade de acuidade histórica sempre ser esperado dos trabalhos de Cornwell.

Então, a conclusão sobre o livro, do meu ponto de vista, é de uma excelente narrativa com um cenário muito bem desenvolvido, sobre um tema que não se sabe praticamente nada de forma concreta - e que, apesar de ser o título do livro, serve como pano-de-fundo de uma trama muto mais interessante. 

Eu não recomendaria Stonehenge como primeiro livro de Cornwell para nenhum leitor, exceto aqueles interessados especificamente em um romance passado na idade do bronze (o que provavelmente é algo difícil de encontrar) já que ele parece muito diferente da narrativa mais típica do autor. 

Mas recomendo fortemente a leitura para qualquer um interessado em um cenário totalmente diferente do usual! Pra esses, Stonehenge é um prato cheio! 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Músicas das Eras Passadas

Não, essa postagem não tem nada à ver com livros ou café. Enquanto pesquisava sobre instrumentos e música antiga pra compor uma ilustração, acabei encontrando algumas informações interessantes com relação ao assunto, e achei que valia uma postagem. 

Eu não sabia - provavelmente por nunca ter pensado muito à sério sobre o assunto, na verdade - mas há uma série de composições musicais que pré-datam o ano zero da história (aquele ano lindo quando, de acordo com a igreja católica, nasceu o meu, o seu, o nosso cristo [sim, esse foi um comentário sarcástico e totalmente desnecessário, só aceita]), vindas de várias partes do mundo. Encontrei algumas delas pelo youtube e realmente gostei bastante do que ouvi! Então, vamos à uma lista com as três que eu considero mai interessantes, em termos históricos: 

A primeira delas é o Epitáfio de Seikilos (sim, o link leva pra versão em inglês da wikipedia, porque lá, além deles manterem o nome original do grego que nomeia o nome da música, além de ter mais informações, como a tradução da letra, que não tem na wikipédia em português). Essa é a mais antiga composição completa conhecida. Apesar de haverem algumas composições mais antigas - como as outras duas sobre as quais eu vou falar aqui - elas estão todas com algum fragmento faltando. O Epitáfio de Seikilos está totalmente completa e legível. Ela foi encontrada em um túmulo próximo à turquia, cuja data varia de algo entre 200 A.C. e 100 D.C., escrito em grego e que, além da letra de uma música, contém sua notação musical. A inscrição final da lápide tem duas traduções possíveis: ou Sekilo à Euterpe, o que implicaria que à musica foi composta pra falecida esposa de Sekilo, mas também pode significar Sekilo, filho de Euterpos, o que pode indicar que é o túmulo do próprio Sekilo. 

No link, há uma versão da música completa (ela tem cerca de 45 segundos de duração), mas eu escolhi uma versão do youtube que me soou mais interessante, por ser um pouquinho mais longa que a original, e diferente das outras versões que eu encontrei, que incluem vários instrumentos e são mais rápidas, esa é mais lenta, o que, pra uma música inscrita em um epitáfio, me pareceu mais adequada. A seguir, a letra original (pra quem quiser acompanhar em grego) e uma tradução livre para o português:

"Hoson zēs, phainou 
Mēden holōs sy lypou; 
Pros oligon esti to zēn 
To telos ho chronos apaitei."

Em português: 

"Enquanto viveres, brilhe, 
Não deixe que nada te entristeça além da medida.
Pois a tua vida é curta, 
E o tempo clamará seu quinhão."


A segunda música dessa postagem na verdade é uma composição dupla, os dois Hinos Délficos (sim, outro link pra wikipedia em inglês, porque esses hinos sequer têm uma entrada em português), escritos entre 128 e 138 A.C. e que, apesar de não estarem completos, apresentam o nome de seu autor, Pythaides de Atenas, o que a torna a mais antiga peça musical do ocidente cujo autor é conhecido. Os hinos são dedicados à Apolo, como o nome indica, a divindade patrona de Delfos e considera uma divindade oracular, que enviava augúrios através de sua sacerdotisa  (Provavelmente todo mundo já ouviu falar do Oráculo de Delfos, não? Praqueles que não conhecem, deixei um link pra facilitar a vida - dessa vez em bom português), e por isso a obra é conhecida como Hinos Délficos. 

As letras do Hino são longas, e há uma versão em inglês nos links, que eu não estou com paciência pra traduzir no momento - google tradutor praqueles que não entendem inglês, me perdoem). 



A última música foi, na verdade, a que me levou às outras, as Canções Hurritas (que também não têm uma entrada na wikipédia em português). Essas composições são um conjunto de músicas em escrita cuneiforme encontrado em tabletes de barro encontrado em Ugarit, no norte da Síria. Do conjunto todo, uma das peças, contendo Hino Hurrita à Nikkal, está praticamente intacta, o que permitiu traduzir a letra e a música de forma quase perfeita - quase, porque a própria escrita cuneiforme não é completamente entendida. 

Além de ser uma interessante peça musical - ninguém espera por aqueles últimos 30 segundos, tenho certeza! - essa peça tem duas características bastante relevantes: A primeira é que ela data de 1400 A.C. - sim, tem três mil e quatrocentos anos de idade! - e a segunda, e ainda mais notável, é que ela usa uma escala musical heptatônica (conhecida pelo menos desde o século 18 A.C. através de pelo menos três tabletes de barro Acádicos) mas também diatônica, uma escala que, até a descoberta dos tabletes contendo as Canções Hurritas, acreditava-se ter sido criada por Pitágoras, no século 4 A.C. - ou seja, mais ou menos mil anos depois das Canções Hurritas terem sido escritas!   

Não achei muitas informações relativas à esse pequeno mistério musical, mas tenho certeza que deve ter algumas interessantes teorias pela internet afora com relação à isso (provavelmente envolvendo aliens) ou não. 

Sem mais delongas, a mais antiga peça musical conhecida:



Boa viagem musical, e até a próxima postagem - provavelmente sobre café ou livros!