quinta-feira, 17 de maio de 2012

Jonathan Strange & Mister Norrell



Este calhamaço - com quase 820 páginas de leitura - me foi dado de presente de aniversário, e demorou três longos meses para ser lido até o fim.

É fato que ele competiu com a leitura paralela de várias coletâneas de contos de ficção científica que li no mesmo período, mas grande parte dessa demora se deve ao desenvolvimento da narrativa.

Um momento!

Péssimo início!

Creio que seria muito mais produtivo falar da história do livro e depois passarmos à parte, digamos, mais enfadonha - mas não vamos criar más expectativas! Tudo melhora no final!

Segue o baile!

A inglesa Susanna Clarke nos apresenta nesse volume uma Inglaterra do início do século 19 com uma pequena diferença da Inglaterra da nossa história: A magia existe.

A partir dessa premissa, e tendo as guerras napoleônicas como pano-de-fundo, Jonathan Strange & Mister Norrell nos leva à uma interessantíssima viagem através dos eventos que culminam com a redescoberta da magia inglesa.

Sim, redescoberta. Apesar da magia existir, os integrantes da Sociedade Culta dos Magos de York nos deixam claro, desde a primeira página do livro, que a magia inglesa é um assunto teórico, e não prático. Mas eles se deparam com Mister Norrell, um mago prático, como não havia há mais de dois séculos na Inglaterra!

Este é o ponto de partida para a narrativa de como Mister Norrell e Jonathan Strange vão trazer de volta o antigo esplendor da magia à Inglaterra.

O livro é dividido em três grandes tomos, o primeiro destinado à nos apresentar Mr. Norrell, o segundo à Jonathan Strange e o terceiro aos feitos de John Uskglass, o Rei Corvo, o maior mago da Inglaterra.

O problema dessa divisão de tomos é que, bem, Norrell é um grande chato! Metódico e controlador, ele dá o tempo do primeiro tomo, que é muito lento e - porque não dizer - desestimulante.

Mas para aqueles pacientes - ou teimosos - o suficiente para vencerem o primeiro tomo do livro, há uma leitura muito interessante nos dois tomos seguintes.

O segundo tomo nos apresenta Strange, um mago dinâmico e de opinião forte. Neste volume a história realmente toma forma, e muitas pontas soltas do primeiro tomo são atadas, criando uma tapeçaria interessantíssima  que nos levam à algumas respostas - e muitas outras perguntas!

O último tomo fecha o livro magistralmente, com uma narrativa muito mais ágil, terminando de atar as últimas pontas ainda soltas, explicando ao angustiado leitor o destino de todos os personagens do livro - sim, há um momento em que eu achei que  Susanna Clarke simplesmente não ia explicar metade das tramas paralelas (e elas são muitas!) e fiquei muito apreensivo! Mas a autora não desaponta, e cria um final excelente, fechando a história de modo magistral.

Um excelente retrato de como teria sido o comportamento adequado de um mago cavalheiro durante o conturbado renascimento da magia inglesa, este livro foi uma grata surpresa e um "interruptor" que ligou meu interesse em livros de fantasia urbana!

Ah, deixem-me fazer um par de notas finais que, apesar de não serem essenciais, eu não quero deixar de fora:

Primeiro, este é obviamente este é um livro fortemente calcado em pesquisa histórica, escrito por uma inglesa sobre sua terra natal. Fica claro que há uma série de nuances culturais que são virtualmente impossíveis para quem não tem uma boa base sobre história e/ou cultura inglesa perceber todos os sub-entendidos do livro. Isso não é um defeito, de forma alguma, é apenas uma característica relevante.

Segundo, o livro é ilustrado. Pobremente, na minha opinião, por um desenhista (que não consegui determinar se teria um nome...) de pouca técnica e incapaz de passar a magnitude, a força ou a sutileza dos momentos ilustrados. O livro teria ficado melhor sem as ilustrações, na minha opinião. E sim, pra mim este detalhe é um defeito notável do livro.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Pequeno relato noturno


Tenho muito trabalho à fazer.

Onde está o maldito martelo?

Ah, ali.

Está escuro.

Tenho muito trabalho a fazer. Continuar martelando. Vamos, vamos!

Esse maldito vento lá fora. Odeio esse vento que uiva pra mim! Esse vento e aquela enorme bola branca brilhando no céu! Maldita! Ah, mas dessa vez eu vou consegui! eu tenho um martelo!

O que é isso? Alguém parou aí em frente. Encosto a cabeça da montaria na porta, e estico o pescoço através das fibras da madeira. Um sujeito grandalhão e barbudo e uma moça morena de cabelos compridos. O que estão conversando?

"- Não acho que foi a porta. Eu ouvi umas pancadas fortes demais, e não tem luz lá dentro. Se alguém tivesse entrado, teria ligado as luzes, né?

- Sim, e tu vai fazer o que? Invadir a casa? Deixa as pessoinhas obscuras fazendo suas coisinhas obscuras e vamos!

- Ok, ok."

E se foram. Percebo agora que a escuridão não é só dentro da casa. Está mesmo anoitecendo! Não tenho muito tempo! Retrocedo de volta pra dentro da minha montaria e volto ao trabalho, martelando, martelando.

As horas passam e o trabalho parece que não evolui. Preciso bater mais forte, mais rápido!

"- Oi! Tem alguém aí?"

O que é isso, agora? Deixo minha montaria onde está, inerte, e vou até a porta. Antes de sair, porém, decido olhar por uma das janelas. Será que aquela bola inchada e gorda está no céu, ainda? Maldita! Maldita! Não vejo nada. Ótimo! Saio através dos tijolos da parede ao meu lado, e dou uma olhada em quem está chamando lá fora. O mesmo sujeito barbudo com a morena.

"- não, espera. eu tenho certeza que ouvi.

- Sim, sim. Eu também ouvi. Tem alguém na casa. Provavelmente um caseiro.

- então porque as luzes estão apagadas?

- Não sei.*suspira* Vamos?

- Ok, vamos. Mas se algum policial passar por nós, eu vou avisar que tem alguma coisa errada aqui.

*saem andando abraçados*

- Tá. Tem um posto da polícia ali na praça.

- Verdade! Bem lembrado!

*se beijam*"

Não, não! Eles vão estragar tudo! A praça! Preciso ir à praça! Me estico através do telhado, pra ver se não tem nada de errado lá fora. Não, a gorda brilhante não está à vista! Maldita! Mas hoje ela não vai me pegar! Preciso trabalhar... Não! antes preciso ir à praça!

Saio esvoaçando pelo vento, por cima da casa, no meio do sereno noturno. Meia-noite, eu sei, eu sinto! Vejo a copa das arvores da praça, logo alí. Um cão me vê passando e uiva, chamando aquela bastarda gorda e brilhante! Não adianta, caozinho, ela não pode me ver! Está encoberta pelos prédios, ou foi engolida pela terra! Não importa, ela não está por aqui! Vejo o grandalhão e a morena. Estão chegando perto do posto, no meio da praça. Três guardas estão ali. O que eu faço? Espera! eu conheço aquele guarda!

"- Com licença. Boa noite. Eu vinha descendo aqui a Lobo da Costa, e umas duas quadras daqui...

*se vira pra morena, que ficou mais atrás*

- Em que altura era aquilo?

- Barroso e santa cruz.

*se vira para os policiais*

- Isso. Entre a barroso e a santa cruz, e tem uma casa ali, meio velha, com uma fachada meio vermelha... E bom, eu ouvi umas batidas fortes lá dentro. Não sei, tive a impressão que tinha alguma coisa errada."

Tenho que fazer alguma coisa. Mas preciso ser sutil, tem muita gente olhando! Pego o guarda que conheço de vista, e lhe dou um empurrão, acho que é só o que é preciso! Acho que estou certo, porque ele dá um passo à frente, e começa a falar.

"- Olha, vou até te dizer o que é isso. Eu moro ali perto, e ali naquela casa mora um louco. Ele grita e faz barulho as vezes, e já foi internado várias vezes. Mas eles não podem manter ele lá por mais que dez dias, é o protocolo, sabe?

- Ah, é, tu mora ali por perto, né?

- É. Mas não podemos fazer muita coisa, se nenhum vizinho der queixa. Ele não é perigoso, então...

- Mas obrigado por avisar!

- Ah, sem problemas! Então que bom que é só isso! Boa noite, hein?

-Boa noite!

- Boa noite.

*vai ao encontro da morena, abraça ela e saem andando*

- Bom, pelo menos fico com a consciência tranquila, né? Vai saber!

- Uhum! Que bom que um deles morava ali por perto e sabia o que tava acontecendo.

- É!"

Vejo os dois andarem até sumirem atrás do chafariz. Lá na frente, um outro cachorro me vê. O pelo se ouriça e ele começa a uivar. É inútil, totó! Agora tenho que voltar! tenho muito trabalho a fazer!

Me esgueiro de volta, nas ruas vazias, olhando pra ver se toda a choradeira dos cães não chamou a atenção dela. Maldita! Mas não. ela não está mais aqui essa noite! Eu entro pelo portão de ferro, passo pela porta e encontro minha montaria exatamente onde estava. Monto outra vez, me esticando na montaria pra me acostumar novamente.

Pego o martelo e volto à trabalhar. Tenho muito o que fazer essa noite!

Tenho muito trabalho a fazer. Continuar martelando. Vamos, vamos! 

sábado, 5 de maio de 2012

Contos da Taberna


Entre as várias coletâneas de livros de ficção científica que lí recentemente, a que mais me trouxe prazer em ler foi Contos da Taberna, do ilustríssimo Arthur C.Clarke.

Conhecido por suas obras de hard fiction, Clarke faz nessa coletânea algo bastante deferente: Humor.

O livro narra as histórias pouco críveis de vários cientistas ao redor do mundo, trazidas aos comensais do (imaginário) Gamo Branco (de onde vem o título original do livro, Tales from the White Hart) - uma taberna cuja localização é pouco divulgada pelos seus frequentadores (entre eles escritores de ficção científica e cientistas, alguns reais e outros imaginários) - por Harry Pulver, um excelente contador de histórias com um tipo muito estranho de capacidade de se encontrar com cientistas loucos durante suas viagens à trabalho.

Em seu prefácio, Clarke diz que este livro é uma tentativa de conciliar ficção científica e humor, coisa que consegue muito bem, criando algumas "histórias de cientista" realmente muito divertidas! O próprio prefacio é tão engraçado quanto alguns dos contos contidos no livro, o que faz desta uma obra para ser lida do início ao fim, sem pular uma única linha!

Alguns dos contos são extremamente engraçados, outros nem tanto. Mas os temas são tão absolutamente variados que mesmo que não seja um livro que te faça rir da primeira à última página, é certamente divertido de ler em sua totalidade.

Grande parte da diversão de ler este livro é que, além de abordar idéias totalmente estapafúrdias, Clarke também também cria situações perfeitamente plausíveis, tanto que, em dois contos, as situações abordadas foram estudadas pela ciência e, em 1982, quando da segunda edição do livro - a edição original é de 1976 - eles deixaram de ser contos de ficção para tornar-se simplesmente contos de humor perfeitamente possíveis!

Ah, e apesar da capa no início da postagem - que é a edição que eu tenho - , não lembro de ter encontrado nenhum alienígena gosmento e com antenas saindo pelas orelhas em nenhum dos contos! Essa capa que encontrei, de outra edição do livro capta muito melhor a essência dessa pequena coletânea de contos, e não posso deixar de dividir!

Enfim!

Desde máquinas que criam silêncio, passando por controladores de mente e bombas osmóticas até orquídeas canibais e insetos inteligentes o leitor vai encontrar nesse livro uma quantidade inacreditável de grandes idéias e inovações científicas que deram errado, muito errado - ou certo além do imaginável!