segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Os Herdeiros da Terra

Poul Anderson é um escritor de livros de ficção científica "sessão da tarde" pelo qual eu adquiri um gosto considerável desde que conheci - essa literatura pipoca dele é muito boa pra limpar a cabeça de livros densos, e tem algumas idéias legais, aqui e ali. Os livros dele funcionam como uma espécie de "alívio cômico" entre livros mais sóbrios.

Mas, no caso desse livro específico, não foi o estilo típico do autor que me levou a escolher esse livro pra ler, mas sim curiosidade. Primeiro, o livro tem dois autores (Gordon Eklund tmabém assina o livro), e livros escritos à "quatro mãos" não são tão comuns assim - o último que eu li foi Belas Maldições, há tanto tempo atrás que o Café com Letra nem existia ainda! Além disso, conhecendo bem o estilo de Anderson - mesmo que só em traduções - eu queria ver se conseguia perceber alguma diferença na escrita por conta de um segundo autor. Além de tudo isso, tem um pseudo-Flash Gordon na capa; o nome do segundo autor é Gordon... Pensei "será que tem alguma sacadinha marota aí aí?".

(além disso, preciso perguntar: Mais alguém enxerga um Grimch com uma cara safadinha desenhado naquela lua...?)

Bom, o livro começa estranho, com pessoas num futuro distante não sendo capazes de ter uma conversa funcional, com delírios bizarros e argumentações sem sentido. Tem uma citação ao livro do Vogt, Slan, logo no começo do segundo capítulo, o que eu admito ter achado uma coincidência bastante relevante já que li Slan a pouco mais de um mês atrás.

No decorrer do livro, descobrimos que o protagonista - e mais meia dúzia de caras de um tal Círculo interno - são mutantes, auto-proclamados de superiores (tem uma tirada com o Super-Homem e suas cuecas vermelhas quando o protagonista está explicando o nome) capazes de lerem "irradiações" das pessoas, algo como saber o que as pessoas estão sentindo e, de forma limitada, o que eles estão pensando. Um deles, particularmente poderoso, consegue enviar imagens, em condições ideais. Eles são, também, tecnicamente mais inteligentes do que humanos normais. O protagonista, um gênio da manipulação genética, criador de clones artificiais, e em torno de quem a trama gira por conta de toda sua genialidade, demonstra o tempo todo que a tal superioridade da raça é uma falácia. A leitura de Irradiações é completamente inútil: a maioria das pessoas confunde ele, e os que sabem que eles podem usar o poder basicamente "não irradiam" ou irradiam informações erradas de propósito. De fato, em geral a capacidade de ler "irradiações" é mais um fardo do que um benefício, já que eles não controlam a recepção, o que é bastante problemático quando alguém está morrendo e irradia desespero além do que o cara pode suportar... Além disso, apesar de ser um "gênio", o cara não tem conhecimento de mundo, tudo precisa ser explicado nos mínimos detalhes pra ele porque ele não é capaz de fazer extrapolações. Pra fechar com chave de ouro, os tais Superiores têm ataques de psicose regulares. Ah, e são estéreis. Te falo em superioridade...

Mas o fato dos Superiores na verdade serem bem mais instáveis do que os humanos nem é o grande problema do livro. O grande problema é a pegada humanitária. O livro passa o tempo todo passando lições de moral sobre a humanidade, as escolhas das maiorias e das minorias, a influência das ações de uns na vida dos outros... É uma chateação sem fim! E apesar da trama principal ser o conflito entre três "raças", o livro é mais parado do água de poço. Eklund, aparentemente, tem uma queda por filosofia que simplesmente destrói a narrativa mais solta de Anderson. Quando as coisas começam a ficar interessantes, lá vamos nós pra outra reflexão sobre humanidade, sentido da vida e coisas do gênero...

Os Herdeiros da Terra é, na minha opinião, um livro ruim. Sem sentido, com um final que deixa tudo no ar, e o caminho até o final é basicamente uma viagem filosófica através de uma sociedade futurista que não é explicada. Basicamente, um livro sem fundamento.

Meu gosto por Poul Anderson não foi estragado por esse livro - de fato, esse livro só serviu pra eu saber que o tal Gordon Eklund é um autor à ser evitado.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

As Vozes de Marte

Quando comprei os dois livros do Vogt que resenhei aqui, comprei também alguns outros livros da coleção Argonautas que foram, digamos, mais "garantidos". Um par de Arthur C. Clarks e um Ray Bradbury, que decidi ler pra tirar o gosto ruim que A Guerra dos Deuses me deixou na boca. 

Esse livro é, como todos os outros livros do Bradbury que li até agora, uma coletânea de contos. Não consegui achar nada em comum entre todos os contos, apesar de um punhado deles ter um sotaque irlandês - alguns se passam na Irlanda, outros tem personagens de lá. Como também é comum nos livros de contos de Bradbury, o tema, humor e ânimo de cada conto é bastante particular. Assim, dos dez contos presentes no livro, nunca há como escolher um "melhor". Há, em geral, aquele que "funciona melhor" dependendo do estado de espírito do leitor, penso. 

No caso desse livro, o conto que lhe dá título foi uma idéia que eu, particularmente, achei inspirada. Uma interessante mistura de Frankenstein com Dr. Jeckil e Mr. Hide em algum lugar de Marte. Coisa fina. 'Sim, Todos Nos Reuniremos Junto ao Rio' também é espetacular. É um daqueles contos em que Bradbury veste seus mais confortáveis sapatos de caminhada e te leva pra dar uma volta por alguma cidadezinha pacata perdida no tempo. Mas, definitivamente, 'Brisa de Verão, Vento de Inverno' foi, pra mim, o conto mais 'adequado'.  Não me identifiquei com nenhum dos personagens em particular, mas sim com todos eles! E é uma discussão muito bem tratada e levantada com uma leveza impar sobre o pré-conceito. Sem falar, é claro, da excelente narrativa - que sempre esta presente nos livros de Bradbury. 

Definitivamente, um excelente livro! Rápido, fácil, mas nem um pouco simples; exatamente o que se espera de um livro de Bradbury. 

Leitura fortemente recomendada! 

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A Guerra dos Deuses

A Guerra dos Deuses (the book of Ptath no original) é um livrinho de bolso que recentemente comprei com uma leva de outros livros de ficção científica - junto com outro livro do mesmo autor, E. A. Van Vogt, Slan, que resenhei aqui recentemente.

Esse é um livrinho de bolso, da coleção Argonauta - escrito em lusitano, mas como era um livro suficientemente antigo, não afetou a leitura. Interessante como o lusitano antigo é mais parecido com o brasileiro do que o português de portugal contemporâneo - ou há uma preocupação de agradar os dois públicos com essas publicações da coleção Argonauta, não sei.

Mas enfim! Vamos ao livro em si!

A Guerra dos Deuses - alias, uma das poucas traduções que eu achei melhores que o original; se o livro se chamasse "O Livro de Ptath", eu provavelmente não teria comprado. A Guerra dos Deuses ficou commuito mais apelo. Apesar de eu ter comprado o livro mais pela ilustração da capa... - é um livro interessante, cheio de boas idéias. Infelizmente, todas elas mal utilizadas... Pthat, o nosso protagonista, é um Deus redivivo membro de uma tríade de divindades ancestrais. Aparentemente, o livro se passa na terra, em um futuro muito, muito distante - 200 milhões de anos no futuro, ou algo assim. Os problemas começam por aí. 200 milhões de anos no futuro, nosso sol já vai ter entrado em supernova, e a vida na terra não vai mais ser possível. Ok, não é um livro de hard fiction, mas me incomodou o uso de números tão grandes sem necessidade. Alias, falando em números grandes, outro ponto problemático é a quantidade de gente no planeta: Os três reinos cuja população é mencionada no livro, Gowonlane (aparentemente a antiga Austrália) e o Accadistran (a antiga Europa) e Nushirvan (a antiga América do Norte) têm, respectivamente, 54 mil milhões de pessoas, 19 mil milhões de pessoas e 5 mil milhões de pessoas. Só aí temos um total de 78 bilhões de pessoas - 11 vezes a população da terra atual!   Considerando que a tecnologia do planeta aparentemente retornou à agricultura básica, com animais sendo a maior fonte de energia mecânica do planeta (não existem veículos motorizados, nem é mencionado qualquer tipo de indústria) como se alimenta essa quantidade de gente E animais? E estamos falando de três dos continentes do planeta - a América do Sul, vastamente populada, não entra nessa matemática, mas dá pra imaginar que ela tenha uma população considerável, já que é um reino importante. Vamos dizer, 7 mil milhões de pessoas. Imaginem a população atual, vivendo TODA na América do Sul! Todas as pessoas da Asia, Europa, EUA enfim, morando na América do sul! E é importante notar que a Amazônia não só ainda existe nesse cenário como não tem moradores! Cara, de onde sai a comida pra toda essa gente...?

Bom, "detalhes" matemáticos à parte, outra coisa que me incomodou foi o fato de que, 200 milhões de anos no futuro, nosso Ptath renasce sem memória e então é infundido por Ineznia, uma das outras duas deusas, com as memórias de um soldado americano de 1944. Esse sujeito, é claro, salva o dia, numa paródia bizarra de Pocahontas: chamem um americano pra ele salvar o mundo quando, obviamente, os nativos locais não são capazes disso! E o pior é que, antes do tal soldado aparecer, a gente quase simpatiza com Ptath, o desmemoriado...

Pior ainda, é a mensagem de fé que fecha o livro, no melhor estilo "só Jesus Salva". Totalmente desnecessário.

Bom, idas e vindas, A Guerra dos deuses é um livreco lamentável, que desperdiça boas idéias com uma mentalidade tacanha e peca em verossimilhança pra adicionar números astronômicos na tentativa de deixar o leitor estupefato. Depois de dois livros totalmente descartáveis do senhor Van Vogt, ele definitivamente entrou pra minha lista de "autores à serem evitados".