sábado, 20 de dezembro de 2014

À Sombra do Açoita-Cavalo

Primeiro, um rápido esclarecimento: Açoita-cavalo é o nome de uma arvore nativa da América do Sul, que, aparentemente, inspirou o nome de um lugarejo -  que o autor menciona como o 4º distrito de Pelotas, mas eu não consegui confirmar. Então, não, nada de sadismos com animais nesse livro.

Na realidade, este é um livro de memórias, ou antes pequenos contos de memória, da época da infância e adolescência no tal distrito do Açoita-Cavalo do autor, em sua maioria. Alguns dos contos são de memórias mais recentes mas em torno de acontecimentos com outras pessoas do Açoita-Cavalo, e ainda há alguns contos que foram repassados ao autor por terceiros.

De fato, o livro não é mais do que um conjunto de contos bastante tópicos daqueles que se contam entre amigos, num churrasco, com um rápido desenvolvimento explicando o lugar/situação/pessoas envolvidas e terminado em algum tipo de chiste jocoso ou anedota no final - incluindo a famosa anedota do "o médico mandou eu cortar a janta e comer a véia". Uma fórmula muito apreciada em rodas de amigos e que provavelmente vêm funcionando há muitos anos em encontros sociais.

Mas infelizmente, essa fórmula não funciona tão bem quando nos é narrada em livro, quer me parecer. Não que o autor não seja eficiente, muito antes pelo contrário, a sua concisão e a escolha certeira de tempo e expressões é notável. No entanto, para qualquer um que não conhece o autor, falta uma parte muito importante desse tipo de narrativa, que é, justamente, o narrador. É impossível se envolver no conto quando tu não conhece o autor nem faz idéia de como ele narraria, quais os trejeitos. Não há um fator essencial desse tipo de narrativa que é a emoção.

Ainda assim, o livro é bem escrito, e alguns contos me arrancaram risadas. Mas a maioria, infelizmente, não e causou reação alguma. Acredito que seria bastante interessante sentar com o senhor Pierobon e escuta-lo contar essas memórias pessoalmente, tomando um chimarrão ou um café e pitando um cachimbo. Mas de forma escrita, por mais que eu adore literatura e goste muito de "causos" e das histórias locais, essa fórmula simplesmente não funciona pra mim. Uma pena.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Diálogo II

Bem, é fim-de-ano, uma época que, não sei bem porque, eu leio muito pouco. Na verdade, nessa época eu leio tanto quanto no resto do ano, mas não romances. Estou lendo alguns livros de mitologia, religião, história e cultura - não só pra reforçar meus conhecimentos na área, mas porque ando procurando idéias pra escrever algumas coisas também. 

Assim, muito provavelmente, o ritmo de publicações de resenhas deve diminuir bastante nos próximos dois meses - um fenômeno que, alias, já vem ocorrendo pelo último mês. 

Então, pra não ficar só em poemas e pensamentos pessoais obscuros (adeus, inferno astral, finalmente!), achei que seria interessante ter uma postagem que dialogasse com essa gente que lê o Café com Letra mas raramente se apresenta nos comentários - sim, eu sei que vocês estão aí!

Vou, portanto, propor um pequeno diálogo entre mim e vocês, sejam lá quem vocês forem (prevejo muitos comentários anônimos...). Coisa simples. Gostaria de saber o que cada pessoa está lendo nesse momento, ou o último livro que leu. Vale qualquer coisa, até livro de receita de apresentadora de TV. E também não precisa fazer uma resenha completa, se não quiser - apesar de algumas informações a mais serem sempre legais. Um simples "Estou lendo o livro ___________ e [estou/não estou] gostando." já me satisfaz. 

Então, o que vocês andam lendo? 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Aniversários

Ah, os aniversário! Tanta felicidade! Bolos, docinhos, refrigerantes e chapéus cônicos coloridos! Ah, e balões! Não podemos esquecer os balões!

Eu realmente detesto aniversários.

Possivelmente tem à ver com o fato de que meu inferno astral - aqueles 30 à 40 dias em que o ponteiro do ascendente da revolução solar está transitando pela casa doze da roda zodiacal. A casa doze é a casa de Peixes, indicadora de karma, sofrimento, doenças, fatalidades e todas essas coisas tão legais - é sempre extremamente pronunciado. Um mês antes do meu aniversário, o meu mundo basicamente rui completamente, e precisa ser reconstruído aos poucos, dos escombros, pelo resto do ano seguinte - ate ruir novamente durante o meu próximo inferno astral.

É sempre assim. Todos os anos.

Claro, essa coisa toda de astrologia é uma grande bobagem. Minha mãe - que é uma metamorfose ambulante de esoterismos aleatórios, constantemente em mutação - foi quem me tornou cônscio desse fenômeno anual tão destrutivo. Claro que eu nunca dei bola. Sempre achei bobagem.

Mas todos os anos, um ou dois dias antes do meu aniversário, eu sento pra descansar a cabeça depois do meu pequeno mundinho ruir, e pensar "que merda está acontecendo na minha vida, porra?" e aí me dou conta que eu estava passando pelo maldito inferno astral.

É sempre assim. Todos os anos.

O problema é que meu inferno astral não termina no dia do meu aniversário. ele geralmente demora ainda uns dias pra ir embora de fato. são dias sempre bem tensos, em que fico esperando aquele golpe de misericórdia nas minhas fundações. Um fim de namoro inesperado. Uma demissão. Um amigo morto.

Raramente não acontece nada realmente ruim nos dias após meu aniversário. Mas mesmo quando não acontece, eu me desgasto esperando pelo pior. É sempre uma tensão sem tamanho. Aquela espera pelo inevitável.

É sempre assim. Todos os anos.

Então, enquanto as pessoas comemoram seu avanço de idade, seus novos ciclos, mais um ano de sobrevivência e de sabedoria em suas vidas, eu estou na expectativa de alguma coisa muito ruim, que pode acontecer à qualquer momento.

então levantem suas taças e regozijem-se em suas comemorações, enquanto eu fico no meu pequeno mundinho de aflição, esperando o próximo movimento que a vida - aquela meretriz! - vai fazer pra me tirar o equilíbrio.

E que passe logo a próxima semana, pra eu começar a reconstruir tudo outra vez.

Um brinde.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Encontre Sua Própria Verdade

Esse é o último volume da Trilogia Segredos do Poder, que se passa no universo do RPG Shadowrun. Fiz um pequeno apanhado do cenário na resenha do primeiro volume, caso alguém não conheça.

Esse livro conclui as aventuras de Samuel Werner, enquanto ele procura sua própria verdade, como o título indica. Temos o retorno de alguns personagens que apareceram no primeiro e no segundo volume, e um bom punhado de mortes, como nos volumes anteriores. Não vou falar mais do que isso, porque qualquer coisa que seja dita aqui vai acabar sendo um possível spoiler com relação aos livros anteriores. Ao invés de me ater à trama, prefiro fazer uma apanhado geral da minha impressão final sobre a trilogia.

Primeiro, a construção do protagonistas - e de alguns dos personagens secundários - é excelente. Sam tem dúvidas o tempo todo, não tem certeza se suas decisão são as melhores à serem tomadas, erra bastante e vai se contruindo ao longo da jornada. Ao final desse último volume, ele já é um sujeito familiar pro leitor, alguém com quem realmente se importar. Só isso já é um mérito que muitos personagens não conseguem.

Além disso, há uma impressão de aleatoriedade nos acontecimentos ao longo da trilogia que me agrada muito. além das tramas e sub-tramas, das maquinações de vários personagens ao mesmo tempo, Charrette consegue incluir um elemento de falibilidade que é muito agradável no livro. Os planos de Werner - e de seus oponentes e aliados - nem sempre funcionam tão magistralmente quanto o esperado, e nenhuma vitória é absoluta. Os eventos vão acontecendo muitas vezes sem o controle dos personagens, e os planos traçados muitas vezes tem que ser modificados na última hora. Há um sentimento geral de improvisação muito grande ao longo dos livros - o que é bem de acordo com o que se espera em uma campanha de RPG, e portanto muito bem-vindo em um livro que se passa em um cenário destes.

Além disso, as coisas não saem como esperado quase nunca, e é meio impossível antever os acontecimentos vindouros. As vezes o próximo movimento, mesmo quando anunciado, não acontece como se espera. É sempre uma surpresa para o leitor saber como as coisas vão se desenrolar.

Temos alguns clichês, é claro. O guerreiro calado e mortal, a sedutora inconstante, o herói indeciso, o vilão prepotente. Mas eles não são tratados levianamente. Eles funcionam com perfeição. Cada um deles e tão bem utilizado que em nenhum momento seus papéis parecem forçados.

Há alguns problemas é claro. que acredito sejam muito causados pela tradução. Um "ele" aqui e ali onde deveria ser "ela", por exemplo. Ou onde fica dúbio se é um ou outro personagem da cena falando. Coisinhas menores, que não chegam à atrapalhar a leitura, nem o entendimento da história.

No final, Segredos do Poder foi uma grata surpresa! Agora vou ler o módulo básico do Shadowrun, e encontrar alguns amigos pra tentar encontrar minha própria verdade nas sombras.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Musicas que me fazem chorar 2

Eu sou um sujeito emotivo. Sempre fui. A maioria das pessoas que me conhece ha algum tempo já me viu chorando pelo menos uma vez. A maioria dessas pessoas deve rir lembrando disso, porque devia ser alguma coisa idiota. Uma música ruim, um filme bobo, uma lembrança besta. É um problema. eu não choro por pensar nos milhares de mortos no afeganistão, nem pela fome na africa. Isso me emociona, mas não me faz chorar. Eu choro por bobagens.

Acho que, como acontece com todo mundo, eu choro com coisas bobas que têm um "gatilho" emocional. Aquela música que tem uma letra tocante e profunda, mas que na verdade te faz chorar porque tu lembra que alguém te dedicou ela. Mas já falei bastante sobre o assunto, e não quero ficar me repetindo.

Aquelas músicas, é claro, estão todas "valendo" ainda. Uma delas mudou bastante de significado ao longo desses três anos, de fato, mas continua tendo o mesmo resultado. No entanto, algumas músicas se juntaram àquela lista:

White Wine in the Sun, do Tim Minchin, me pegou de surpresa. Me mandaram esse vídeo dizendo que "eu ia gostar". Comecei ouvindo e me divertindo bastante. O início da música realmente parece comigo:

And yes, I have all of the usual objections
To consumerism, the commercialisation of an ancient religion
To the westernisation of a dead Palestinian
Press-ganged into selling Playstations and beer

And yes I have all of the usual objections
To the mis-education of children who, in tax-exempt institutions,
Are taught to externalise blame
And to feel ashamed and to judge things as plain right and wrong

Mas à medida que a música prossegue, e fala sobre família, sobre comemorar... eu admito que fui lembrando das minhas relações com comemorações e família, e que, realmente, não me dou bem com uma coisa ou com outra. Eu parei de ir à comemorações por me achar muito "deslocado" dentro da minha família, com poucas exceções. Passei anos sem comemorar aniversários. E não, não comemoro festas religiosas cristãs. Esse isolamento familiar sempre me causou uma certa tristeza, e ela fica potencializada quando eu escuto essa música.
Tim Minchin é um comediante, pelo que eu entendi, que compõe letras engraçadas para seus shows. Não tenho certeza. Não fui atrás de outras músicas do cara. White Wine in the Sun foi mais que suficiente...

O próximo item da lista é complicado. They Rode On. Esse eu tava ouvindo bem tranquilo quando, de repente, comecei a prestar atenção na letra. Voltei pro início, e o troço caiu na minha mente como uma bomba de hidrogênio. Fiquei completamente vazio por um tempo. "eu sou velho, meu velho, tão velho quanto o mundo". Será que eu tenho coragem pra cavalgar, mesmo sabendo o destino? Ou sem saber onde se vai? Quanto de ilusão eu preciso, e quanto desprendimento eu posso, realmente ter? 
Sim, essa é uma dessas discussões internas de cunho filosófico pessoal que não possui muito nexo e cujas perguntas não têm resposta alguma. O tipo de coisa que me faz chorar. 

Músicas que fazem a gente refletir são um problema sério. Hora do Mergulho, dos Engenheiros do Hawaii sempre me fazia entrar em um estado de profunda tristeza. Demorei muito pra "superar" isso. Hora do Mergulho ainda fala comigo, mas hoje em dia é um diálogo saudável. Coisa semelhante aconteceu com algumas músicas do Legião Urbana. Quando eu era adolescente - isso foi há tanto tempo que o Renato Russo ainda nem sabia que tinha AIDS... - muitas daquelas músicas calavam fundo em mim. Como, alias, tenho certeza que também tocavam  maioria das pessoas da minha geração. Mas eu cresci, e aquelas músicas são parte de um passado que não se encaixa mais. Eu ainda escuto Legião, mas hoje em dia é só pelas lembranças que aquelas músicas trazem. 

A única exceção é Metal Contra as Nuvens. Não sei qual a história por trás da música, mas que ela faz muito sentido como uma versão romanceada do Drácula, isso faz. Tem muitos símbolos e lógicas funcionais dentro dessa idéia, incluindo não só a letra mas as trocas de ritmo dentro da música. Praqueles que não tem "aversão" à Legião, vale a pena dar uma conferida, nem que seja pra me chamar de retardado - qualquer discussão, mesmo que sobre uma música do Legião Urbana, me interessa! Esse vídeo já tem a letra embutida, pra facilitar a vida. 


E, já que vou adicionar uma música da Legião Urbana, o que já manda pro espaço a coesão dessa postagem, vou aproveitar e adicionar a supracitada Hora do Mergulho, dos Engenheiros do Hawaii. Se vou acabar com a coesão, pelo menos vou incluir umas músicas legais também. 

E pra terminar mais ou menos com algum sentido, uma música que, as vezes, me faz chorar. Fico imaginando o Bono escutando essa versão e chorando, não porque eu imagino que o cara seja um egocêntrico que idolatra as coisas que ele mesmo escreve - o que, alias, seria plenamente justificado, mas não vem ao caso - mas porque na voz do Johny Cash, One fica muito, muito melhor do que no original. 

Impressionante como não só a voz do J. Cash se encaixa melhor nessa letra, como a letra faz muito sentido considerando a história dele com drogas na década de 60, principalmente, que o levaram ao divórcio e à uma tentativa de suicídio.

Bom, uma boa viagem musico-sentimental pra todos. Espero que não tenham todos um ataque de choro assistindo essa seleção, mas um pouco de reflexão e umas lágrimas, eu gostaria que essa postagem causasse. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Esqueletos, Fantasmas e Caixões

Quantos caixões uma pessoa pode puxar vida afora? E quando esses caixões e que passam a puxar a pessoa em questão, e não o contrário?

Semre ouvi expressões como 'esqueletos no armário" e "fantasmas do passado" com um misto de curiosidade e cinismo. Claro, eu tenho minha cota dos dois tipos de mortos-vivos pra me assombrar, mas nunca considerei eles realmente um fardo. Eles estão lá, sempre espreitando nas frestas escuras, geralmente esperando serem esquecidos pra reaparecer, não posso negar. Algumas pessoas tem mais ou menos medo de se encontrar com seus esqueletos e fantasmas andando pela sala de estar. Outras têm assombrações tão perigosas que poderiam morrer do coração se forem forçadas à encarar de frente seus mortos-vivos.

Eu, pessoalmente, fiz as pazes com a maioria dos meus mortos-vivos. As vezes, alguém abre algum dos meus armários, e um dos meus esqueletos sai pulando com uma roupa de palhaço ou fazendo um truque de mágica cafona pelo salão. Eu aprendi a conviver com isso de forma saudável, e geralmente consigo até encontrar alguma graça naqueles números velhos que eles sempre apresentam quando a tal porta é aberta. Já dos meus fantasmas, admito que tenho um pouco mais de medo. Eles são bem mais sérios e sizudos. E apesar da maioria deles ficar tão escondida no sótão que a maioria das pessoas jamais vai conseguir encontra-los, as vezes, quando a casa está completamente vazia, um deles desce arrastando correntes pela casa. É um pouco assustador, preciso dizer.

Mas os meus piores mortos não andam por aí. eles estão bem mortos. Infelizmente, cada um deles está preso dentro de um sólido caixão de carvalho, amarrado á um cinto resistente e desconfortável que eu uso desde que me conheço por gente. Cada escolha ruim, cada decisão inadequada, cada palavra mal dita engrossa meu pequeno exército de caixões. E ao longo dos anos eu reuni caixões suficientes para  inveja à maioria dos cemitérios do novo mundo.

O problema desses mortos e que eles estão amarrados à mim. eles não ficam esperando pra me dar um susto ou fazer um truque bobo. Eles não assustam ninguém, na verdade. Mas eu ainda preciso carregar cada um deles. E cada nova decisão que enfrento pelo caminho é uma chance de aumentar o peso morto que eu carrego. Receio, inclusive, que cheguei em um ponto em que não sou mais capaz de arrastar meus caixões. Eles é que me carregam. E, claro, considerando o peso que representam, só há uma direção pra onde podem me puxar. E pra baixo é uma direção que se pode seguir sem parar, quando a força que puxa é infinita.

Em tempos recentes, eu tomei uma série considerável de decisões no mínimo questionáveis. Na verdade, não tenho feito muito mais nesses últimos meses do que acumular mais e mais caixões á minha carga. E tenho enfrentado algumas decisões importantes nesses dias que correm. E o peso morto tem feito um estrago terrível. Tenho tido tanto medo de tomar qualquer decisão, que até mesmo a dúvida entre seguir andando ou sentar em um dos tampos de carvalho e descansar um pouco é simplesmente impossível de tomar. É uma espécie bizarra de paradoxo de Schrödinger, já que não tomar uma decisão e uma decisão por sí só.

E sim, eu poderia, perfeitamente, pedir ajuda para algum passante para carregar parte do meu peso. Mas isso geralmente significa enfrentar alguns esqueletos e fantasmas do tal passante, e ajuda-lo a carregar seus próprios caixões também. E tenho escolhido pessoas que, me parece, estão com cargas demasiadas também. Ou isso ou o peso que venho carregando simplesmente não permite mais que eu avalie de modo satisfatório o peso morto das outras pessoas.

E, diferente dos mortos-vivos pessoais, nada adianta fazer as pazes com estes. afinal, eu vou seguir carregando cada um deles, não importa o quanto eu - ou o cadáver no caixão - estejamos conformados com isso. E de nada adianta pintá-los com cores engraçadas ou vestílos de palhaço também. Isso não alivia o peso de forma alguma.

Uma decisão tomada, afinal, não pode ser desfeita, tendo sido levada à cabo. Ela pode até ser alterada antes de chegar a tornar-se um novo caixão. Mas uma vez que tenha sido realizada, na prática, não há caminho de volta.

Graças à essa analogia, a cena de Monty Phyton e o Cálice sagrado que ilustra essa postagem nunca teve a menor graça pra mim. Ela sempre parece só mais uma decisão ruim.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Escolha seus Inimigos com Cuidado


Esse é o segundo volume da trilogia Segredos do Poder, que se passa no cenário de Shadowrun, um velho conhecido dos RPGistas experientes. Já falei um pouco sobre o cenário quando escrevi sobre o primeiro livro da trilogia, então fique à vontade pra ir lá entender um pouco do mundo de 2050, caso ainda não conheça.

Nesse segundo volume, Samuel Werner, agora trabalhando oficialmente nas sombras sob o codnome Móbile (ou Twist, no original), continua procurando por sua irmã desaparecida, Janice, enquanto precisa desvendar os mistérios do xamanismo com o qual ele se descobriu ligado. Apesar do cenário das mega-corporações ainda estar lá, a maioria da trama de segundo livro gira ao redor das facetas místicas do universo de Shadowrun.

Durante o primeiro livro, Janice é separada de Sam pela Renraku, uma das maiores corporações do mundo, sob a tutela da qual ambos vivem desde a morte dos pais - Samuel como um empregado e Janice como uma dependente. quando ela passa pelo processo de Transmutação, a Renraku acaba enviando-a para a Ilha de Yomi, uma espécie de ilha laboratório/prisão onde são mantidos quase todos os metahumanos japoneses. Esse evento é o gatilho original para que Sam acabe caindo em direção das Sombras no primeiro livro, e continua sendo um dos seus maiores motivadores.

Durante sua busca, no entanto, Móbile se vê envolvido com as tramas do Círculo Escondido, um grupo de Druidas que pretende realizar um poderoso ritual para "purificar a terra". No meio do caminho, Sam precisa lidar com seus poderes xamânticos e com a sua complicada relação com o Cão, seu totem de poder.

A narrativa do livro é bastante similar com a do primeiro, e alguns dos personagens além de Sam também aparecem aqui, enquanto outros são apenas mencionados ou nem isso. Em termos de descrição de cenários, Escolha Seus Inimigos com Cuidado é ainda mais pobre do que Não Faça Acordos com o Dragão, e é bem fácil esquecer que o livros se passa em um ambiente cyberpunk.

Esse segundo volume da Trilogia Segredos do Poder é bem mais fraca do que a primeira, mas serve bem para dar uma boa idéia sobre como funciona a magia do cenário. É um livro muito mais interessante para fãs de Shadowrun do que para um leitor padrão de literatura cyberpunk - principalmente considerando que a maioria da história lida com magia e não com tecnologia.

Ainda assim, é uma continuação decente para o primeiro livro, e certamente é eficiente em manter o interesse do leitor sobre como a história de Sam em sua busca por sua irmã - e em seu auto-conhecimento - vai terminar.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Turma da Mônica Laços



 Quando a turma da Mônica fez 50 anos, foram feitas uma série de edições especiais comemorativas. Algumas que me interessavam foram anunciadas - como a do Astronauta, do Piteco e do Papa-Capim. Acabei nunca me dando ao trabalho de procurar nenhuma delas. Turma da Mônica, afinal, não faz parte da minha infância. Eu lia Disney quando pequeno, e achava o quadrinho do pessoal que morava na rua do Limoeiro bem sem graça. Desenhos muito simplistas, roteiros curtos e bobos. As histórias da Disney eram mais complexas e pareciam bem trabalhadas. E até onde eu consigo lembrar, foram as primeiras coisas que eu li em inglês - a minha mãe fazia curso de inglês, e revistas da Disney na sua língua de origem eram relativamente fáceis de conseguir.

Também nunca me deparei com nenhuma edição especial da Turma da Mônica em bancas ou em livrarias, então minha curiosidade sobre essas edições de 50 anos nunca foi muito atiçada. Acabei esquecendo o fato delas existirem, pra ser sincero.

Só lembrei quando cheguei na casa de um amigo e ele me emprestou essa edição, escrita e desenhada pelos irmãos Lu e Vitor Cafaggi. Apesar de ele ter me dito pra levar um lenço, não achei tão emocionante assim. Provavelmente porque não tenho ligação sentimental com a criação do Maurício.

A edição em si é fantástica. Com um roteiro e um desenho primorosos, muito bem cuidados, trazem as características marcantes dos personagens com uma visão renovada, extremamente cuidadosa. É um trabalho perfeito.

O roteiro tem um ponto de partida simples, e um desenvolvimento direto e sem rodeios, mostrando a força da amizade da turma ao longo de todo o percurso da história. É de uma ingenuidade tão pura e simples que é impossível não adorar. A maioria das situações parecem bem próximas daquilo que se esperaria de uma historinha normal da turma, bem amarradas em um roteiro conciso, que tem como tema principal a amizade, que permeia toda a história. É fascinante.

Há, no entanto, algumas passagens estranhas. Fiquei sem entender o que o mendigo gordo que fala de druidismo e coisas bizarras faz na edição, e não entendi se aquilo era uma homenagem ou se era um tipo de crítica, e acabei frustrado pelo fato de não haverem novas aparições do personagem nem maiores explicações sobre o as coisas que ele diz, que acabam não fazendo sentido algum no fim das contas.
No geral, é uma ótima história, dessas que a gente lê pra maravilhar os olhos e aquecer o coração. Vale a leitura, sem medo. Mesmo para aqueles que não são fãs da Turma e preferiam os animais falantes da Disney.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A Idéia

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No molambo da língua paralítica.

Augusto dos Anjos

domingo, 28 de setembro de 2014

Não Faça Acordos com o Dragão


Para aqueles que não conhecem, Shadowrun é um cenário de RPG cyberpunk, passado em uma década de 2050 em que a magia despertou de forma abrupta há cerca de 40 anos, trazendo de volta os feitços e criaturas das lendas, como orcs, trolls, elfos - e dragões - para se juntarem de forma mais ou menos harmoniosa à alta tecnologia do meio do século 21.

Dentro desse cenário, que combina elementos de tecnologia futurista - como membros biônicos, armamentos inteligentes e implantes neurais - e fantasia medieval contemporânea - incluindo magos, raças tolkenianas e criaturas fantásticas - estão os shadowrunners, aventureiros que lutam pela sobrevivência na selva urbana controlada pelas grandes corporações que estendem seus tentáculos em todas as direções. Uma combinação original de elementos que torna o cenário único e extremamente excitante.

Dentro desse singular cenário, seguimos Samuel Werner, um empregado modelo de uma das grandes corporações, em sua queda vertiginosa e sem retorno em direção às sombras.

A narrativa é rápida e vigorosa e mantém um ritmo muito bom, e os personagens são todos carismáticos em algum sentido, e com psicológicos bem construídos e trejeitos marcantes. É fácil gostar ou odiar cada um deles.

O ritmo da narrativa deixa, no entanto, pouco espaços para descrições, tanto em termos de cenário quanto dos personagens. apesar do paradigma sócio-econômico ser bem explorado, a maioria das descrições de locações é bastante vaga, fazendo com que o cenário acabe se desenvolvendo em uma espécie de versão de baixa produção de um filme de ficção da década de 80. O que não deixa de ser atraente, na verdade, mas acredito que essa percepção deva mudar de leitor para leitor, de acordo com sua bagagem cultural e conhecimento específico sobre o cenário - o que pode ser bom mas também pode ser bem ruim.

Esse problema também existe no caso dos personagens. A minha imagem de muitos deles foi abruptamente modificada quando o autor adicionou algum detalhes considerável - como cor de cabelo (A Sally é loura, não índia!), dentes irregulares, cicatrizes - depois de eu já ter formado uma imagem sólida baseado no que tinha sido entregue até então. Alguns personagens (como o Fantasma que Anda por Dentro) simplesmente se tornou amórfico na minha imaginação, de tantas modificações que o autor foi apresentando pra ele ao longo da narrativa.

[edit] Grey Otter, que pelo nome eu imaginava uma espécie de Danny Trejo cyberpunk, na verdade é uma mulher esguia com aparência jovem, como eu descobri no começo do terceiro livro. Pelo menos ela tem feições indigenas... [edit]

O livro tem defeitos e qualidades, e as últimas superam bastante as primeiras, mas definitivamente não é um livro perfeito. É realmente bom, com reviravoltas interessantes e situações bem construídas, sem furos de roteiro e bastante sólido na sua proposta. E apesar de ser o volume 1 de uma trilogia, o final é suficientemente bom pra ser um desfecho satisfatório, apesar de algumas pontas soltas.

Em suma, é um bom livro, tanto pra quem gosta de ficção quanto pros que gostam de fantasia, e certamente pra qualquer RPGista, independente do gosto, já que parece uma enorme campanha solo, com todos os elementos pertinentes  - PdMs marcantes, inimigos ardilosos, monstros perigosos e planos mirabolantes.

Leitura fortemente recomendada!

sábado, 20 de setembro de 2014

O Demônio de Gólgota

Esse foi o segundo livro de Frank de Felitta que eu li. O primeiro foi A entidade, anos atrás. Não lembro de quase nada do livro, exceto que o enredo era ao redor de uma mulher sistematicamente estuprada pelo espírito de um chinês lutador de sumô. Foi há muito tempo, eu disse.

Apesar de ser um livro sobre catolicismo -grandemente calcado nas revelações religiosas de um jesuíta em uma pequena cidadezinha americana e de dois parapsicólogos que coincidentemente estão no mesmo local para pesquisar fenômenos estranhos - grande parte dos acontecimentos que movem o livro são causados por experiências sexuais por parte dos personagens. Todos eles. Parapsicólogos, padres, jesuítas, professores de Harvard.. Acho que só o Papa foi poupado (Sim, tem um papa no livro. O nome dele é Francisco Xavier, vejam só). Acho que todos que lêem o Café com Letra conhecem meu desgosto por esse tipo de gatilho nos livros. Mas nesse caso, apesar de estar presente, até de forma grosseira e grotesca, o sexo impulsiona o livro adiante, e não é jogado no enredo de forma gratuita.

Bem, analisada a parte do sexo... O livro é interessante. Na maior parte do tempo, te mantém na dúvida se os fenômenos são de origem religiosa ou científicas. Uma teria derruba a outra a cada dois, três capitulos, e isso vai te impulsionando adiante, na tentativa de entender o que diabos - literalmente - está acontecendo. O livro é dinâmico, e apesar de tu ficar com raiva das burrices de todos os personagens, tem... bom, forças agindo por trás de tudo, então fica difícil simplesmente chamar eles de burros.

No fim das contas, é um bom livro. Tem passagens particularmente boas, com alguns calafrios - pelo menos pra quem gosta de ler durante á noite, num lugar ermo como as Gaylands... - mas em geral é só instigante -não que isso seja, de forma alguma, um problema, exceto que é um filme de terror, não espionagem nem ficção científica. A narrativa é ágil e te mantem querendo virar capítulos, chegar ao final do mistério. Os capítulos finais são fantásticos, mas infelizmente, o livro termina de forma desconfortavelmente abrupta e vai contra tudo o que se espera durante o livro todo. Me senti bastante traído.

Alias, esse é um sentimento comum nas minhas tentativas de ler terror.

Bom, acho que é um bom livro de terror, pra quem gosta do estilo.

Eu? Vou voltar pra ficção científica, com licença.

domingo, 14 de setembro de 2014

Cantiga do Inferno

Demônios espreitam nas copas das árvores
Olhos vermelhos na boca de lobo
Cultos noturnos de ácido e fogo.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta maldito apresenta a oferenda.

Súcubos bailam em vestes de freiras
Íncubos uivam nas esquinas da morte
O pacto escrito em cera vermelha.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta maligno entrega a oferenda.

Cenobitas entendem as mãos em convite
O cubo se abre e revela a mazela
Os cravos do cordeiro transpassam o crânio.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta de Barker entrega a oferenda.

Duendes e fadas e agulhas em festa
Do sonho alquímico despertam a mandingueiras
Apolo na rima, Dionísio nas veias.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta marginal entrega a oferenda.

A lua congelante recolhe seu brilho
Hórus se apronta detrás da montanha
Ébrio, o poeta recolhe suas vestes.

A cantiga do inferno destoa da graça
Lúcifer, orgulhoso, revoga a oferenda.

“Por que me ofertas, ó rato de esgoto?
Tens sangue nas mãos, tens pecado, que nojo!
Dá-me os santos para divino desgosto.”

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta baldio retira a oferenda.

O passo da noite é irregular e neblino
É estar no limite entre céu e inferno
A oferenda promessa imerge no limbo.

A cantiga do inferno não toca de graça
O poeta vaga em eterna tristeza.

Rody Cáceres

sábado, 16 de agosto de 2014

Coisas Frágeis

Coisas Frágeis é um livro de contos de Neil Gaiman. Obviamente, essa é uma descrição bem genérica e provavelmente desnecessária, mas como eu sempre achei que o livro fosse um romance, e não um livro de contos, e como sempre pode haver gente desavisada que não conhece todos os livros do Gaiman, achei que era um bom jeito de começar a resenhar a obra.

Gaiman, dispensa apresentações, imagino. Se tu não sabe quem é o sujeito, vá ler Sandman, que é definitivamente uma boa obra, e uma ótima referência pra esse livro também. Como uma nota adicional, sugiro também os álbuns da mulher dele, a incopiável Amanda Palmer. 8 in 8 é uma dessas coisas que todas as pessoas deviam escutar, não necessariamente pelas músicas em si, mas pela idéia. E o Gaiman tá nesse albun também, o que faz sentido dentro dessa resenha. E são albuns de música, não livros, só pra deixar claro.

Enfim! Estou divagando.

Sobre o livro em sí, há algumas coisinhas à mais que se pode falar. É um livro de contos, como eu já disse, dividido em 10 narrativas sem conexão entre sí - apesar de duas delas, Lembranças e Tesouros e O Monarca do Vale fazerem parte do universo do livro Deuses Americanos. Alias, O Monarca do Vale é um excelente conto, mesmo, e me deu mais vontade ainda de ler o Deuses Americanos. Tá na hora de tomar vergonha na cara e comprar o livro!

Entre os outros contos, Um Estudo em Esmeralda é uma dessas coisas fantásticas que só grandes autores fazem de maneira decente. Basicamente, pense em Sherlock Holmes encontra Chutullhu. Sim, a proposta é literalmente essa! E acredite, é surpreendentemente surpreendente!

O Pássaro do Sol é uma pequena idéia genial transformada em conto, e Como Conversar com Garotas em Festas merece ser lembrado como uma dessas coisas confusas e incomuns que tu não entende realmente mas te faz pensar muito sobre dezenas de questões ao longo - e depois - da leitura.

Admito que O Problema de Susan é o conto que me deixou menos satisfeito, porque ele é, basicamente, sobre um personagem de outra obra - Nárnia, no caso - como uma espécie de "final alternativo" ou talvez um "pósfácil" sobre uma das personagens daquele livro, que foi escrito devido à insatisfação de Gaiman sobre o desfecho da tal Susan. Nunca li os livros do C. S. Lewis, e não lembro muito bem dos personagens dos filmes, nem sei seus destinos, então fiquei mais frustrado e confuso do que qulaquer outra coisa enquanto lia esse conto. Deve ser interessante pra quem conhece Nárnia, mas pra mim, não funcionou.

Apesar de não ser meu conto favorito do livro, Golias é provavelmente aquele com o qual mais me identifiquei. Interessante notar que ele foi escrito pro site de Matrix, anos atrás, e eu lamento que não tenha feito parte do Animatrix. É, certamente, a melhor história contada dentro daquele universo que eu li até hoje. E mais interessante do que todos os roteiros do Animatrix também, pelo menos pra mim.

Ah, sim!

Apesar de possivelmente isso ser uma informação mais interessante de aparecer no início de uma resenha, é preciso adicionar que Gaiman escreve um prefácio descrevendo os eventos que levaram à escrita dos contos. A maioria da "informação técnica" dessa resenha veio dessa fonte. Então, não estou dando mais spoilers aqui do que o próprio autor no livro.

Bem creio que é isso.

Recomendo fortemente a leitura desse livro, assim como, apesar de não ter lido, já deixo avisado os incaltos que a continuação (Coisas Frágeis - Volume 2) é considerada uma das obras mais desnecessárias do Gaiman. E olha que li isso no site de um fã do cara! Aparentemente, mistura contos e poesias, coisas que, do meu ponto de vista, não funcionam bem em uma única obra. Principalmente quando não têm conexão entre si. Enfim, é só um aviso que algumas pessoas me deram, e que eu estou repassando. Fiquem com o volume 1, e sejam felizes.

Ah, o quadro de Little Nemo que não faz sentido sentido na publicação? Bom, leia o livro! ^_^

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Atlantis

"Um dos maiores mistérios da história finalmente revelado" bem em cima na capa, foi a frase que fez com que eu torcesse o nariz pra esse livro quando vi pela primeira vez. Obviamente, era uma mentira, e o livro era, obviamente, um romance. Mas o objetivo dessa frasezinha no topo da capa era pegar aqueles leitores incautos que não sabem dessas pequenas coisas óbvias.

Quando o livro circulou aqui em casa pela primeira vez, ano passado, trazido pela minha avó para minha mãe, eu não quis chegar nem perto. Tinha certeza que era alguma coisa como um livro do Dan Brown misturado com uma daquelas teorias malucas do tipo Eram os deuses Astronautas do Erich von Däniken. Olhei pra capa muito bem produzida - com relevos, metalizados e um trabalho obviamene profissional de um designer - e pensei "esse livro tem uma capa muito boa pra ter um interior que preste."

Mas eis que a vida dá voltas e no final do mês passado fui ajudar minha avó numas reformas na casa dela. Despreparado, levei só um livro de contos - Coisas Frágeis, do Neil Gaiman, que vai ser o conteúdo da minha próxima resenha, em alguns dias - já lido até a metade. Erro terrível quando se vai ficar em uma casa onde a biblioteca fica no quarto de uma senhora de oitenta e poucos anos de sono leve... Aconteceu que, na primeira noite que passei lá, tive uma crise de insônia , coisa bem normal pra mim. Sem um computador, e não querendo "gastar" o livro do Gaiman, que não ia durar uma hora naquela noite insône, acabei pegando o Atlantis, que tinha visto mais cedo na sala da casa, bem longe do quarto da minha caríssima avó e sua biblioteca.

E obviamente, o livro foi uma decepção.

Jack, ou Jhon - não lembro mais o nome do insosso protagonista - é basicamente uma mistura de Indiana Jones com Batman. Na casa dos quarenta anos, ele já foi tudo. Tem dois mestrados no MIT, foi Marine, é arqueólogo em uma fundação fictícia com recursos infinitos e nunca perde o controle. Consegue dirigir escafandros semelhantes à armadura do Homem de Ferro com um tiro no abdomem sem sentir dor, nunca erra um tiro, sempre tem um plano genial na manga, é uma enciclopédia militar ambulante além de ter conhecimentos infalíveis sobre culturas antigas da pré-história até o período Helenístico.

O vilão, por outro lado, é uma paródia ambulante de tudo o que há de ruim: um terrorista árabe com dinheiro infinito, que apesar de ter um império do mal é impulsivo e manipulável, gordo ao ponto de precisar de ajuda para se mover, e com bafo de carne podre - sim, tudo isso é dito sobre ele ao longo do livro.

Ambos são colocados em lados opostos na disputa pelos tesouros da Atlântida depois que, surpreendentemente, três descobertas no espaço de dois dias, feitas por três arqueólogos, surpreendentemente amigos de longa data, são feitas ao redor do globo, dão pistas sobre a localização da Alântida. No espaço de uma semana, eles fazem suas descobertas, decifram textos, triangulam suas informações, encontram a Atlântida, encontram um submarino soviético atômico desaparecido desde a guerra fria, defendem ambos os achados do vilão, desmantelam sua rede de terrorismo e, claro, não vão ao banheiro nem uma vez! Magnífico!

Eles fazem tudo isso munidos de tecnologia futurista - apesar do livro se passar na contemporaneidade - e nunca erram em uma tradução de línguas mortas desconhecidas (que são feitas como se fossem a segunda língua de cada um) ou quando levantam teorias pungentes a cada quatro páginas do livro, sem nunca titubear por sequer um segundo. Graças à isso, eles descobrem o que realmente estava escrito nas tabuas dos Dez Mandamentos, desvendam o mistério da Arca de Noé, encontram o elo de ligação de todas as culturas européias, e, claro, encontram Atlântida e desvendam todos os seus mistérios.

Já disse que fizeram isso em sete dias?

Pois é. Tudo baseado em achados arqueológicos inventados, tecnologias que não existem, e em gênios multi-tarefas que são verdadeiras forças da natureza.

Um dos livros mais chatos que li em anos!

O único ponto interessante do livro é que o autor adiciona um apêndice no final do livro dizendo quais teorias e achados são verdadeiros e quais são falsos - só um é verdadeiro, e nunca foi explicado - e fornecendo muitas informações interessantes sobre locais citados no livro, que oferecem um monte de material pra pesquisas.

Fora o apêndice, eu sugiro que qualquer um que não esteja com uma severa crise de insônia e sem nenhuma outra alternativa de leitura se mantenha bem longe desse livro. Sério.

Não digam que eu não avisei.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Os Vikings

Esse pequeno livro de bolso com 140 páginas e letras graúdas conta a história de um tal Turgésio que aportou em costa Irlandesa onde, posteriormente, se ergueria Dublin - capital daquele país - e ali cometeu as barbaridades vikings usuais.

De fato, o tal Turgesius, ou Turgeis, Tuirgeis, Turges ou talvez ainda Thorgest - ou mesmo Thurgestr ou Thorgísl - não se sabe bem seu nome, foi um earl viking responsável pela fundação de Dublin e Drogheda. A história narrada nesse pequeno livro trata-se, aparentemente, de uma versão da Cogad Gáedel re Gallaib (ou "a guerra dos irlandeses contra os forasteiros"), um texto irlandês datado do século 12 que fala das batalhas dos povos do país contra invasores estrangeiros, principalmente vikings.

De fato, a pequena história contida nesse livro é uma dessas invasóes à costa irlandesa por viking. Há algumas questões divertidas à respeito dessa história que me agradaram bastante. Há um pequeno mistério no meio da tal invasão, o que achei bastante curioso de encontrar em uma história sobre vikings, que geralmente giram ao redor de grandes feitos de bravura, guerras e mortandade. O tal Manuel Vallvé, o autor original - não consegui descobrir sua nacionalidade, nem datas de nascimento ou morte, se é que o cara já morreu mesmo - se interessou em descrever mais questões políticas e desenvolver o tal mistério supracitado do que falar da crueldade dos vikings. Alias, ele retrata os nóricos aqui com bastante brandura em relação à outros autores que já lí. Apesar de repetidamente chamá-los de bárbaros, e até mostrar alguns atos de crueldade por parte dos nórdicos, ele retrata Thurgestr como um guerreiro bravo, honrado e devotado.

Devotado à pilhagem e à expansão, é verdade, mas ainda assim, bastante fiel à esses princípios.

A capa, é claro, não podia deixar de ser um desses exuberantes exemplos da arte literária da década de 70. A edição que eu tenho não tem uma data, mas olhem essa capa! Tem como não ser da década de 70? Ao menos o ilustrador - que também não foi creditado - representou os dois personagens principais do livro com maestria: Ota, uma bela e alta nórdica loura e linda como só as ancestrais da Gisele Bündchen podem ser, e Thurgestr com seu elmo de chifres - sim, no livro, ele tem um elmo de chifres. Valeu, Wagner! - em seu skuta saído diretamente de uma viagem através da Bifrost. Lindo!

Enfim!

140 páginas sobre um pequeno acontecimento incomum em uma invasão bárbara são sempre algo de enobrecedor de se ler. A narrativa é obviamente rápida e não se prende grandemente à detalhes, mas ainda assim consegue criar uma atmosfera razoável para a trama. Desconsiderando os chifres do Thurgestr é um bom livro pra quem tiver uma horinha de tempo ocioso à disposição.

Em tempo: Enquanto ele descreve o Thurgestr, ele diz que o sujeito usa um bracelete de ouro, o que vai de encontro com a tradição dos nórdicos. Agora, considerando as narrativas do Corwell sobre o assunto, é exatamente o contrário! Braceletes eram uma especie de "medalha de reconhecimento" entre os nórdicos, e um Earl, como o nosso protagonista, não devia usar só um, mas vários! E seus homens, alias, provavelmente também usavam alguns, afinal ele não ia viajar com um bando de marujos verdes pra uma invasão numa costa desconhecida! É claro que existem outras discrepâncias históricas, mas essa, em particular, me deixou meio incomodado - assim como o tal elmo de chifres...

terça-feira, 15 de julho de 2014

El Cid


Peguei esse livro com a minha avó, não por apreciar sobremaneira a história da Espanha medieval, mas porque lembrava de ter visto uma cena fantástica em um filme, onde, no final, o cadáver do tal sujeito do título era amarrado no cavalo e enviado à frente de seu exército, para desmoralizar as tropas inimigas - ele era amarrado de tal forma que parecia vivo, só pra constar. Algo como ter sobrevivido à um ferimento mortal, ou algo assim.

Acabei baixando o filme pra rever, porque a tal cena não é descrita no livreco...

Pra além disso, como o livro narra uma história supostamente verídica, uma visão da Virgem Maria e uma conversa em pessoa com Lázaro me fizeram descrer mais no livro do que no filme com sua cena final insólita - que, descobri pesquisando depois, que era uma espécie de lenda contada sobre ele. Agora, eu me pergunto: incluir essa tal lenda - que ia tornar o final tão mais interessante - tornaria o livro menos crível ou realista do que aparições de gente morta à pelo menos 1000 anos...?

Enfim!

A leitura não é lá grandes coisas. As batalhas, em particular, têm um problema sério de descrição. Não que eu ache que toda batalha tivesse que ser escrita no estilo Bernard Cornwell - o que seria excelente, admito! - mas algumas são contadas em pormenores, contendo estratégias e contagens de corposo, as vezes com descrições de combates entre indivíduos, enquanto outras são descritas simplesmente: "então houve uma batalha". Achei incoerente, no mínimo.

É claro que, além disso, aparentemente tudo no livro é desígnio divino, e o tal Cid é pintado ocmo um Jesus Cristo mata-mouros ou algo assim. Ele basicamente é a caridade, glória e paciência encarnados no corpo de um estrategista militar brilhante. Sem defeitos. Nenhum! Lindo, fulgurante, piedosos, astuto, inteligente, íntegro, sagaz, forte, matador de centenas de iniéis, incinerando árabes com bolas-de-fogo de seus olhos e relâmpagos do seu traseiro!

E claro, tudo graças à Glória do Deus único! Alelúia, irmãos! Glória à Ele nas alturas!

Um livro chato, basicamente. Apesar de algumas coisinhas legais sobre história da Espanha, não sei até onde posso confiar na narração, considerando as supracitadas aparições abençoadas - e da perfeição absoluta do bom cristão Cid. E pensar que nem mencionaram o cadáver amarrado no cavalo.

*suspira*

Pelo menos o filme tem o Charlton Heston - e a Sophia Loren!

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Caminhos Fantásticos

Comprei esse livro por influência de um amigo, que me disse que estava interessado em ler um dos contos que consta no livro, já que conhece o autor de alguma dessas encruzilhadas digitais. Sim, um amigo interesseiro e pobre, mas eu gosto dele! ^_^

De qualquer forma, eu adoro livros de contos, e fantasia é meu segundo tipo de literatura favorita, depois de ficção científica. Além disso, é um livro nacional, de uma editora gaúcha, o que certamente foi um emnpurrão a mais pra me levar a comprar o tal livro.

É um livrinho de bolso, com 230 páginas, e custou bem barato, na verdade.

Bom, como eu disse, é um livro nacional, de contos. Cada conto é de um autor diferente - o livro inclui também uma tradução de uma das primeiras versões de Bela Adormecida, que pra mim não faz sentido nenhum dentro de um livro só de autores nacionais, mas vai saber o que passa na cabeça dessa gente... Tem uns caras com uns nomes interessantes no livro, que já me deixaram meio preocupado. O organizador do livro se chama Tiago Lobo. Apesar de Lobo ser um sobrenome possível, eu conheço dois caras que se chamam "lobo" e não são Lobo. A capa - que eu achei bem fraca, diga-se de passagem - que é de uma tal Úrsula Dorada. Ela deve ter ouvido muitos comentários relativos a série do Phillip Pullman. Sendo brasileira, fiquei inclinado a acreditar que é um pseudônimo, ou uma piada infeliz dos pais da pessoa. Tem um Raphael Draccon no livro, também, que suspeito ser "nome artístico". O cara deve se chamar Rafael da Silva, provavelmente. Mas vai saber? Nersse Brasil de Meu Deus de repente eu tou errado, e essa gente tem mesmo esses nomes estranhos.

Mas enfim! Estou derivando do assunto, que é o livro em si.

São ao todo 15 contos, mais a - deslocada - tradução de Branca de Neve, quase todos com um teor de fantasia bem ao estilo Tormenta de ser (com a notável exceção do primeiro conto). Sim, isso é um insulto. A maioria dos contos é simplesmente ruim. Li o livro todo tendo a impressão de estar revirando gavetas com idéias descartadas de autores que entraram no ostracismo. São, em sua maioria, simplistas, rasos e sem absolutamente nada de novo. As narrativas não são empolgantes, as tramas são batidas e a maioria das idéias me fez revirar os olhos na primeira páginas. Cálculo da Criação tem uma idéia interessante, infelizmente jogada no liso por uma narrativa ruim e uma conclusão pobre. Uma Guerra e Três Traições  tem uma narrativa decente, mas a trama é fraca e o conto termina com o autor praticamente dizendo "olha como é foda esse meu PDM, gente!" O Filho do Açougueiro parece bom nas primeiras duas páginas, depois fica lento e vira mais uma história com a moral à Lá Happy Feet do "diferente que faz a diferença". Os outros contos simplesmente não valem uma linha do meu tempo.

É um livro ruim, como um todo, caótico em termos do que vamos encontrar - No Prado, a história que abre o livro, é uma mistura de fantasia urbana com inspiração em Lewis Carol, que simplesmente destoa de todo o resto do livro. A maioria dos outros contos é basicamente literatura de fanzine de RPG na maioria das partes, com autores obviamente usando seus cenários pra contar alguma coisa que eles acham interessantes, e alguns outros contos que simplesmente recauchutam idéias clássicas, abertamente ou não - icluindo os Mithos e As Mil e Uma Noites.

Queria ter alguma coisa boa pra dizer do livro, mas infelizmente, não tenho. É uma honesta perda de tempo.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Livro das Bestas

Primeiramente, gostaria de deixar claro que por Bestas entenda-se animais, e não pessoas imbecís. É importante manter isso em mente - quando eu peguei o livro pela primeira vez, foi mais porque achei que era alguma livro de humor, pra ser sincero.

Segundo, fica aqui meu descontentamento com a tradução de nomes. O autor do livro é um tal Lúlio, cujo primeiro nome é Raimundo. Possivelmente algum nordestino, foi o que pensei num primeiro momento. Sim, foi um pensamento bastante preconceituoso, mas foi o meu primeiro pensamento, de fato. Meu cérebro tem uma grande tendência ao preconceito.

Mas seguindo adiante: Quando li a apresentação, vi que o livro tinha sido escrito em 1286. Hum... Não haviam nordestinos chamados Raimundo, nessa época. Talvez Porãs ou Tupinambás, mas certamente, não Raimundos. Ok, então não foi um nordestino quem escreveu o livro.

Seguindo adiante, em Vida do Autor, descobri que na verdade, o autor se chamava Ramon Llull. Pois é. Um catalão do século XIII que, graças à uma estranha mania dos brasileiros de traduzir nomes, acabou ficando com o nome de um nordestino genérico. Não consigo entender a razão pra isso, mas deve haver alguma. Ou não.

Sobre o livro em si - que tem só noventa páginas, mas que tem um terço de introduções (são quatro, no total) e a história, em sí, ocupa apenas 60 páginas. Em formato A5. Pois é, acho que ia ser feio publicar um livro de pensamento medieval com somente sessenta e quatro páginas. Em A5, quero reforçar.

Bom, mas então, do que trata o livro, em suas minguadas sessenta páginas? Ora, é uma espécie de manual de boa conduta para governantes, parte de um livro maior (chamado de "livro das maravilhas") cujo caráter não fica explicito nesse livro. O capítulo das Bestas é basicamente uma narrativa sobre a eleição e o início do reinado de um leão em um determinado reino, que abusa de fábulas para exemplificar cada ação dos animais durante o reinado do tal leão. Aparentemente a única maneira de se considerar um argumento válido, para o autor, é criar - ou aproveitar de outra fonte - uma alegoria que faça seus interlocutores refletirem sobre o assunto. Algumas são bem interessantes, mas a maioria é chata e, devo admitir, lá pela metade do livro, toda vez que uma frase começava com "-Aconteceu que, em tal lugar..." eu já revirava os olhos em espasmos incontroláveis. Isso me fez levar quase uma semana pra ler um livreco de sessenta páginas.

É claro que, em se tratando de um livro do século XIII, a moral cristã é o condutor do livro, e nada acontece sem o desejo do deus católico. Vencem batalhas aqueles que são mais tementes à ele (e, claro, todos o são, ou nem apareceriam no livro) e só nos seus ensinamentos se consegue sabedoria. Esse foi um outro motivo que me fez considerar a leitura extremamente penosa - e ajudou na demora pra terminar as tais 60 páginas. Em A5.

É importante observar que comprei esse livro porque, na enganosa introdução (uma delas...) lê-se: "exemplo notável da tradição de bestiários medievais, o Livro das Bestas faz parte de uma obra maior de título Félix, ou Livro das Maravilhas." Obviamente, eu esperava algo como uma versão medieval do Livro dos Seres Imaginários, do Jorge Luis Borges (alias, tenho que reler e resenhar esse livro!). Uma lamentável interpretação errada do que a introdução queria dizer.

O livro não é de todo inútil. Tem algumas notas de pé de página interessantes sobre a cultura catalã medieval, e isso é sempre interessante. Mas fica aqui minha dica: se for ler esse livro, fique só nas notas de pé de página.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Júpiter à Venda

Esse é um interessante livro de "contos rejeitados" do senhor Asimov, publicados entre 1950 e 1973. Há várias questões interessantes sobre o livro, que por sí só já tornam a leitura válida. Primeiro, cada conto vêm acompanhado de um pequeno comentário sobre o que se passava na vida do autor na época em que o conto foi escrito - as vezes, inclusive, o motivo pelo qual o conto foi escrito ou o "gatilho" pro conto. É um divertimento à parte ler as motivações que fizeram o sujeito escrever o livro, como agradar uma mulher bonita ou ser enganado por um editor inspirado.

Além disso, os contos ali contidos são todo "lado B". São contos que ou foram inclusos em edições extintas e de pequena tiragem ou que foram inicialmente rejeitados pelos editores - o que as vezes também inclui divertidas situações através dos quais o conto acabou sendo editado , como no caso de 2430 D.C., cuja versão inicial foi rejeitada, e então Asimov fez uma segunda versão. quando enviou a segunda versão para o editor, este acabou preferindo publicar a primeira, e Asimov nunca descobriu se a segunda versão era tão ruim que fez a primeira parecer boa ou se os editores tinham na verdade simplesmente mudado de opinião sobre a primeira versão da história e não sabiam como contar pra ele.

Obviamente, conhecer um pouco mais das circunstâncias em que a história foi concebida é algo que humaniza bastante o autor. Além do fato de que o Asimov tem uma produção muito maior do que eu imaginava - algumas vezes ele nos conta quantos livros e contos ele escreveu no período entre um conto e outro que estão no livro - ainda descobri que o professor Asimov escreveu muitos livros de não-ficção, sobre biologia e medicina, coisa que me era completamente desconhecida até ler esse livro! Eu sempre achei que ele era "só" um excelente escritor de sci-fi, mas não, o cara foi professor e publicou um monte de livros pra popularizar biologia (ou direcionados para público acadêmico).

É claro que alguns podem se perguntar se, além de conhecer um pouco mais do senhor Asimov, o livro tem alguma coisa interessante - afinal, são contos que não atingiram grande popularidade.

Bem, eu posso garantir que gostei bastante de todos os contos, e que, embora alguns deles sejam muito curtos ou particularmente crus (principalmente os primeiros, obviamente), há muitas boas histórias nesse livro. "pobres imbecís" é provavelmente a história mais genial do livro, pelo aspecto de reflexão que ela proporciona. Tem duas páginas, apenas, e apesar de um erro terrível do tradutor (que me fez perder algum tempo tentando entender o segundo parágrafo da história*). "Uma Estátua para papai" é uma das coisas mais inesperadas que eu já li. Minha história favorita do livro é, em conjuto com essas duas, "Tiotimolina para as estrelas", provavelmente pela quantidade de idéias que ela me proporcionou. A história que dá nome ao livro também é muito bem construída, e eu definitivamente não esperava pelo final.

Então, sim, vale muito a pena ler esse livro de "contos rejeitados" do senhor Asimov! Recomendo fortemente a leitura!

*o paragrafo em questão, para aqueles que forem ler o livro, é o seguinte: "Segurava o grande livro que continha a lista das numerosas corridas através das galáxias, as quais haviam desenvolvido a inteligência e o livro, muito menor, que arrolava as raças que haviam atingido a maturidade e se classificado para a Federação Galáctica." Além da pontuação que nos faz pensar que as tais corridas que desenvolveram inteligência escreveram o livro menor (que não é o caso, como se verifica adiante no livro), fiquei me perguntando como diabos corridas adquirem inteligência, até me dar conta que a palavra original devia ser "races". Agora, porque o cara traduziu "races" para "corridas" na primeira oração, e depois pra "raças" na segunda oração, nunca vou entender...

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Holy Avengers

Como todos devem saber, eu não gosto de mangá. Apesar do meu principal problema com o estilo ser a cultura otaku que se desenvolveu por aqui nos últimos anos, que basicamente considera que mangá e anime são as maiores dádivas para a humanidade e não tem nenhum tipo de conhecimento de mundo fora do seu fandon. Considero o estilo absolutamente auto-contido - ou seja, otakus amam anime e mangá e se contentam com isso, uma vez que estes simplesmente não abrem possibilidade para que seus fãs se interessem por mais nada (exceto, talvez, outros produtos baseados da franquia, como jogos).

É obvio que isso é uma generalização, mas infelizmente conto nos dedos as pessoas que conheci que se intitulam otakus e com quem eu consigo manter uma conversa minimamente interessante sem dezenas de referências e comparações à mangolices: "porque no bleach...", "Ela parece a Saori Kido!", "é, como no one piece!". É enervante.

Mas eu mesmo já assiti bons animes (Legends of Lodoss Wars, Cowboy Beebop) e gostei de uns poucos mangás (Mai, a Garota Sensitiva e... Hum... Ok. Foi só esse, mesmo), mas o volume de lixo no qual eles estavam envolvidos era preocupante. Além das considerações estéticas - não só de desenhos, mas também no que diz respeito à diálogos - há também a questão de cultura que eu sempre acho extremamente alienígena e, principalmente, os finais geralmente cheios de LSD!

Oh, bm, estou derivando do que vim escrever. Mas falar de qualquer coisa mangalóide gera esse impulso automático de ligar o modo Ódio.

*suspira*

Mas, bem, como eu disse, há alguns bons mangás por aí. E, surpreendentemente, um deles é nacional! Provavelmente (não tão surpreendentemente) um dos títulos de HQs mais bem-sucedido da contemporaneidade brasileira é justamente nesse estilo. Digo que não é tá surpreendente porque, considerando o público otaku que vêm crescendo alarmantemente no país nos últimos anos, e considerando que esse público engole qualquer coisa da escola amarela de HQs sem precisar digerir, é compreensível que uma história em estilo mangá tenha sido tão bem recebida.

(sim, eu tive uma pequena recaída de Ódio)

*suspira*

Holy avengers, criado por Marcelo Cassaro, um dos maiores incentivadores para o crescimento do RPG no país, e Erica Awano, uma competente desenhista da escola mangazeira (eu não saberia dizer o que mais ela fez, e quais são suas influências, uma vez que essa obra é tudo que já vi da mulher) é uma leitura interessante. Com 42 edições, além de alguns especiais ao longo do caminho, ela conta uma história que se passa Arton, o mundo-cenário de tormenta, o RPG brasileiro com mais material lançado até hoje. A trama faz algumas modificações importantes no cenário, além de algumas revelações também importante, e mistura novos personagens com velhos PDMs consagrados - todos completamente adaptados para o estilo mangá, com direito à mechas, armaduras com pedras brilhantes, muitas garotas padronizadas com pouca roupa (em maior ou menor grau) e personagens masculinos com cara de galã e cérebro de minhoca - ou cara e cérebro de dinossauro, no caso do Tork.

O desenrolar da trama é bem amarrado, apesar de algumas coisinhas serem bem forçadas - como em qualquer campanha de RPG, alias... - mas definitivamente os personagens pecam pelo excesso. Apesar de bem construídos, eles são todos estereótipos ou paradoxos completos. A quantidade de "piadas" sexuais, geralmente sexistas, também me incomodaram um pouco, além do tom cômico em uma trama com uma profundidade dramática teoricamente muito alta. Um casamento deveras infeliz, que definitivamente não me agradou.

Mas os vilões são bem interessantes! Na verdade, são a parte mais interessante da história - apesar de algumas ações completamente descabidas e sem sentido acontecerem aqui e ali, simplesmente para que a natureza "vilânica" deles ficasse bem visível...

A trama quase compensa a maioria dos pecados da história, e o plano maligno bem engendrado mantem a história andando e o leitor interessado, nem que seja pra saber "o que vem á seguir".

REVELAÇÕES DA TRAMA À SEGUIR!!!

Eu, particularmente, pulei a maioria dos diálogos que obviamente tratavam de amenidades ou do amor incondicional de Sandro por Lizandra - certamente o ponto mais fraco da trama, e que, na verdade, fez o meu interesse pela história ir decaindo ao longo da leitura. Quando finalmente Sanro diz "eu te amo" pra Lizandra, e ela brilha como um projeto de Edward ao sol da manhã, eu quase desisti do troço, mas faltavam três edições pro final da história... Considerando que ambos tinham se encontrado três vezes, e que não trocaram mais do que uma hora de conversa nesse tempo todo, além de Lizandra ter matado Sandro em um dos encontros, achei o "amor" dos personagens um pelo outro não só absurdo, mas tosco e bobo. Creio que esse é um dos poucos casos em que "Yet a better love history than twillight" não se aplica...

FIM DAS REVELAÇÕES DA TRAMA!!!

Antes de terminar, gostaria de propor um exercício de resistência aos leitores. Façam pesquisas no google images por Niele cosplay. Tem poucas personagens com cosplays tão ruins - provavelmente porque a própria personagem é mais ofensiva do que interessante... - quanto ela.

Ora, vejam. eu estava realmente me concentrando pra fazer uma crítica favorável à Holy Avenger, mas não adiantou. A medida que pensei sobre a série, depois de ler, me dei conta que, realmente, não gostei. Algumas boas idéias, é verdade, mas a maior parte do recheio, realmente, ficou muito insosso.

Enfim! Vendeu bem, e tem fãs até hoje. Cassaro e Awano devem estar satisfeitos!

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Ninja


Fazia muito tempo que eu não chegava perto de qualquer tipo de material com conexão com o oriente, principalmente devido ao meu crescente ranço com relação aos otakus. No entanto, durante alguns anos, no final da minha adolescência, eu tinha verdadeira admiração pela história e pela cultura oriental. O estudo dessas áreas simplesmente foi se embaçando com o tempo, devido à invasão dos animes e mangás na nossa cultura, e o consequente aumento dessa forma de sub-inteligência chamada de otakus.

Mas eis que fui convidado por um amigo para jogar Legends of the Five Rings, um RPG  focado na cultura oriental e que não tem o insosso sabor dos imensos olhos mangalóides. Já tinha dado uma flertada com o cenário anos atrás, e fiquei admirado com o cenário. Quando a oportunidade de jogar - com um grupo de pessoas com o mesmo gosto duvidoso que o meu, ou seja, com pouca atração por otakuzices - me foi oferecida, aceitei prontamente!

No entanto, fazia tanto tempo que eu não tinha contato com a cultura oriental, que admito que me senti um pouco deslocado quando comecei a pensar nos conceitos básicos do personagem.

Para me aclimatar, baixei Sete Samurais, do Kurosawa - que baita filme! - e, claro, fui atrás de algum livro pra ler. A primeira coisa que pulou na minha frente foi Ninja, de um tal Eric Von Lustbader. Nunca tinha lido nada do autor, e já tinha visto esse mesmo livro (com seu selinho de 'Best Seller") em mais de um balaião por aí. Apesar das mais de 500 páginas, o livrinho custava meros 3 reais, e acabei passando a mão nele. Não podia ser tão ruim, afinal. Poderia? Eu esperava que não, porque a possibilidade de enfrentar uma monstruosidade de 500 páginas de literatura ruim realmente não é uma projeção interessante...

Mas eis que, apesar do nome, o livro é bem bom! Apesar do nome que provavelmente afasta a maioria dos leitores, graças depois àquela onda maluca de ninjaexploitation da década de oitenta, a obra é bem agradável de ler. É um thriller bem escrito, passado em duas épocas distintas: o verão californiano de 1980 e o japão pós-guerra de 1945 até 1963. Com uma estrutura de cinco capítulos - nomeados em homenagem ao Go Rin no Sho de Miyamoto Musashi, sendo os quatro primeiros divididos entre os dois momentos distintos do livro e o último capítulo concluindo a obra, o leitor vai conhecendo o protagonista da obra, o mestre de Kenjutsu Nicholas Linnear, filho de um coronel inglês das forças de ocupação do japão e sua esposa Cheong, uma chinesa com descendência japonesa, e a ligação entre sua adolescência no japão e uma estranha cadeia de assassinatos na costa dos EUA mais de vinte anos depois.

Apesar do nome, o livro é, na verdade, um grande tratado de kenjutsu - com óbvios exageros com realção ao que praticantes dessa arte-marcial são capazes de realizar, mas ainda assim, suficientemente verossímil para não ofender a inteligência do leitos. Com uma exploração muito bem feita da cultura japonesa e seus valores durante a crise que se seguiu à segunda guerra, alternado com uma história policial no melhor estilo Massacre no Bairro Japonês - incluindo algumas (bem escritas) cenas de sexo - o senhor Lustbader cria nesse livro uma excelente obra, com personagens interessantes e carismáticos, usnado alguns clichês bem-vindos com algumas idéias realmente novas (pra época, que fique claro) em uma trama muitíssimo bem amarrada.

O único pecado do livro são suas últimas duas páginas, que, após uma conclusão bastante satisfatória da obra, criam um gancho aparentemente inserido às pressas para uma continuação. Não chega à ser um problema. O leitos simplesmente deve fechar o livro (ou ignorar os acontecimentos) quando Liinnear atende o telefone faltando duas páginas para o final do livro. Simples.

Esse livro é o início de uma série - que eu provavelmente nunca vou tentar ler, porque é muito possível que a continuação da história não consiga atingir a qualidade desse primeiro volume.

Em tempo: enquanto lia a obra lá pela Montecristo, antes de uma aula, o Oscar me perguntou o que eu andava lendo, e trocamos algumas idéias sobre o livro. Ele nunca leu Ninja, mas me informou que o autor, o tal Lustbader, é o autor de uma outra série de livros que viraram filmes. Alguém aí conhece a saga do senhor Bourne? Pois é, são baseados em uma série de livros desse mesmo cara! Assim, quem já viu a série, pode ter uma boa idéia das capacidades marciais do senhor Linnear - é só substituir armas de fogo e armas improvisadas por uma brilhante a afiada katana!

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Planetas em Guerra


Um interessante livro sobre uma guerra entre humanos e marcianos, onde os humanos levaram a pior.

Sim, os marcianos vieram de marte. E eles são capazes de viver na terra sem ajuda de capacetes ou roupas de contenção - e, pelo que o livro indica, tudo o que um humano precisa para passear em marte é um capacete para poder filtrar a atmosfera do planeta. Além disso os marcianos são capazes de extrair oxigênio da água e da comida, além do ar, o que é muito útil, já que só existem traços (menos de 1% da atmosfera) desse gás em seu planeta de origem...

Fora essas pequenas questões técnicas, que eu creio que não deviam ser completamente desconhecidas em 1974, quando o livro foi originalmente lançado, não há outr... Ah, não. Espera. Lembrei de outro detalhe: o livro começa com a Inteligência Primaz (o líder da invasão alienígena) assistindo o por do sol no atlântico, de seu apartamento na cidade de... São Paulo. Eu fico imaginando o quão alto é o prédio em que ele estava.

Mas ALÉM desses pequenos (???) detalhes - e vejam, eu sou muito bom em desistir de um filme ou livro depois de descobrir que há um ou outro detalhe que simplesmente não faz sentido na obra - é um bom livro! Surpreendentemente, apesar dessas várias escorregadelas, temos um cenário muito rico, bem explorado e, mais interessante de tudo, uma virada literalmente Scooby-Doo Inc. no meio do livro! E apesar do quarto final do livro ser menos interessante do que o resto da leitura, as últimas duas páginas simplesmente terminam a trama de modo sensacional.

Poul Anderson escreve livros de space opera pra sessão da tarde (ou sua similar literária) e definitivamente não decepciona aqui. Não é uma trama muito pretensiosa, e poderia certamente ser melhor desenvolvido, mas ainda assim, é uma boa história.

Há um certo ar Chuttulhesco em determinado momento do livro, que poderia perfeitamente ter sido mais bem explorado, mas infelizmente, quando estamos chegando aos finalmentes, há aquele escorregão na história que faz com que a possibilidade de uma trama de terror vire apenas mais um thriller. Uma pena. Mas ainda assim - e parece que muitos "ainda assim" nesse livro - é um livro extremamente divertido.

Alias, por ter um preceito interessante (humanos perdendo a guerra interplanetária para outra raça) e alguns desdobramentos interessantes a partir dessa premissa, estou seriamente pensando em usar o cenário em alguma campanha de RPG de ficção. Algumas alterações precisam ser feitas, mas o troço tem potencial!

Ah, e não, eu não faço ideiá de porque o sujeito que fez a capa resolveu colocar uma roupa espacial de formato bizarro - alguém mais notou a anatomia esquisitíssima? - já que a trama se passa toda na terra, e os marcianos tem uma conformação anatômica semelhante à humana, com poucas diferenças - e nenhum deles usa trajes espaciais na história. Coisas de capistas, como já constatei muitas vezes por aqui (principalmente em se tratando de livros do Poul Anderson).

Pra quem quer uma leitura leve com uma premissa diferente, é um livreco que vale a pena ler.

sábado, 19 de abril de 2014

O Máscara de Ferro

Malditas versões infanto-juvenis, sempre me enganando! Depois de Irmãos Corsos, tenho procurado outras obras de Dumas pra ler, mas infelizmente, só encontro versões "resumidas pra adolescentes" de todas as obras dele. Leitura corrida, com algumas passagens tão, mas tão retalhadas, que chegam a perder o sentido, e diálogos tão mutilados que perdem todo o impacto.

Nada contra livros infanto-juvenis escritos como tal, mas essas versões de "grandes clássicos" destroem a coisa toda!

Acabei lendo essa porcaria em coisa de uma hora e meia - quatro viagens de ônibus pro trabalho, em um dia particularmente corrido - por não ter outra opção, já que esse foi o livro que peguei na pressa de sair logo cedo.

Resumidamente, Aramis é um babaca, Dartagnan um retardado, Porthos um bonecão de posto e Athos é o último à saber, em uma história sobre um sujeito preso que é solto e volta a ser preso.

Malditas versões infanto-juvenis!

Eu ia até levar esse livro pra algum sebo e tentar trocar, mas não quero que mais ninguém precise passar por isso como eu passei. Vou usar as páginas pra iniciar alguma fogueira ou um fogo pra churrasco. Darei um fim digno pra todas as árvores que deram sua vida pra que essa coisa fosse publicada.

Ah, e não, eu não me dei ao trabalho de procurar uma capa mais decente. Gostaria, no entanto, que os malditos redatores dessas tragédias colocassem capas mais apropriadas nesses livros, como essa imagem aqui na direita. Pelo menos leitores incautos seriam enganados com menos frequência, penso eu.

Só me dei ao trabalho de escrever essa resenha pra lembrar - ou avisar - as pessoas que não, não há vida inteligente nas versões infanto-juvenis de grandes obras. Não há.

*Grunhe*

Malditas versões infanto-juvenis!