quarta-feira, 18 de março de 2015

Xógum - Tomo 2

Como eu disse na primeira "resenha" do livro, decidi falar do livro em duas partes distintas, uma especificamente sobre o autor e a construção da obra, e agora sobre a história do livro em si.

Então, vamos à história!

Xógum começa com o piloto britânico John Blackthorne (que foi baseado no navegador Willian Adams, o primeiro inglês a chegar ao Japão e também o primeiro ocidental a tornar-se samurai) aportando com seus poucos marinheiros a bordo do Erasmus, um navio Holandês, na baia de Izu. Imediatamente, Blackthorne e seus companheirs são aprisionados como piratas, acusados pelos padres jesuítas que comandam o comércio exterior do Japão (de fato, os jesuítas portugueses estiveram presentes no Japão desde 1542, e eles estavam em guerra com os britânicos).

Blackthorne é humilhado, e alguns de seus homens são mortos - de maneiras atrozes, alias - até que ele finalmente é apresentado ao Daimio Toranaga, que comanda a regiao onde seu navio aportou.

O livro discorre os acontecimentos do próximo ano, aproxiadamente, enquanto Blackthorne se vê envolvido com os acontecimentos políticos que que culminarão na batalha pela susseção do trono japonês.

Apesar do livro ter sido lanaçado em 1975, e ser considerado uma verdadeira enciclopédia para a cultura japonesa, infelizmente acredito que poucas pessoas tenham tido a oportunidade de ler a obra nos últimos anos - eu mesmo só descobri que esse livro existia no final do ano passado! - e não pretendo fazer revelações sobre a trama - todos os acontecimentos que citei acima não cobrem o primeiro quarto do primeiro tomo da obra - sem avisar aqueles que ainda não leram o livro mas pretendem faze-lo. assim, a seguir, haverá alguns parágrafos com revelações sobre a trama, principalmente fazendo algumas comparações sobre a vida de de Adams e Blackthorne e algumas reflexões sobre o shogunato,  a política e a cultura do Japão  Para aqueles que não quiserem ter revelações sobre a trama, e portanto não pretendem ler os próximos parágrafos, uma última nota: O livro é excelente, muitíssimo bem escrito e extremamente inteligente! É um livro que, creio, é capaz de agradar não apenas aqueles que têm algum apreço pela cultura japonesa mas também todos aqueles que gostam de um bom livro, com uma boa trama. Leitura fortemente recomendada!

Em tempo: No final da postagem tem alguns bônus - como um livro falando sobre o romance em comparação com a história "real" e links para os vídeos da minissérie no youtube.


*****ATENÇÃO! REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ADIANTE! *****

É claro que, assim como Willian Adams, Blackthorne torna-se samurai eventualmente, e uma peça importante no jogo pelo poder que se desvela no decorrer da trama. Apesar de Adams ter se tornado Samurai apenas depois de 1604, após construir pelo menos dois navios para o então shogum Tokugawa Ieyasu - que serviu de base para o daimio Toranaga - Blackthorne recebe o título antes de estar no japão por meio ano, e sequer conseguir falar japonês corretamente. De fato, Blackthorne recebe até mesmo o título de Hatamoto (assim como aconteceu com Adams depois dele se tornar intérprete pessoal de Tokugawa). Admito que, apesar de toda a construção do livro obviamente levar à esse acontecimento, e para manter a coesão dos acontecimentos que culminariam na batalha de Sekigahara de modo que Blackthorne já fosse samurai - o que permitiu a ele uma maior inclusão nas questões culturais do japão, que seriam impossíveis se ele fosse meramente um forasteiro sem títulos - os acontecimentos a esse respeito me pareceram muito rápidos.

Fora isso, admito que outra coisa que me incomodou um pouc foi a morte de Mariko. É claro, ela foi um "sacrifício necessário" para a trama, e eu não teria problema algum se não fosse um detalhe: Ninjas! Eu estava realmente feliz porque nenhuma vez eles haviam sido mencionados até então, feliz e contente com a trama política e sobre os contos de samurais que permeavam o livro, e então aparece um bando de nijas e a coisa toda vira um pandemônio! Claro, os capítulos em que a batalha entre samurais e ninjas se desenrola são eletrizantes, e é uma parte bastante emocionante do livro, mas... ninjas, cara! Sei lá, não gosto de ninjas. Pode ser uma parte minha que tem um certo preconceito com a mistificação deles, ou porque não parecia caber uma gangue ninja na trama, mas realmente me desagradou um pouco ver ninjas dinamitando tudo - literalmente.

E, é claro, eu esperava um emocionante duelo de samurais envolvendo o Blackthorne, coisa que também não aconteceu. Paciência. Não teria feito muito sentido, de qualquer forma. Assim como os ninjas não fizeram!

Como uma nota de história, há um falha considerável no livro, com relação a história do japão, no que diz respeito ao hábito de Toranaga gostar de interpretar no teatro kabuki. O problema aqui é que o Kabuki teve início em 1603, e antes do meio do século 17, ele só era interpretado por mulheres e depois por jovens rapazes, o que tornaria impossível que Toranaga fosse um interprete de um estilo de teatro que sequer existia antes dos acontecimentos do livro!

Além disso, antes da década de 1630, meninos não podiam se prostituir, o que também cria um pequeno problema cronológico, já que Kiku, a mais formosa cortesã de Izu oferece um "rapaz" para Blackthorne - que fica chocado, afinal ele era um bom protestante.

Ainda falanado de hábitos sexuais, foi, de fato durante o shogunato de Ieyasu que surgiram os primeiros bairros de prostituição. Clavell coloca um interessante diálogo entre Toranaga e Gyoko onde o daimio recebe a interessante idéia de um bairro exclusivo para as cortesãs - assim como a idéia de criar uma classe especial de gueixas, que ao invés de oferecerem favores sexuais seriam treinadas em outras artes para agradar seus clientes.

Éu também andei lendo alguns artigos sobre o livro, e descobri que o uso de japonês no livro é bastante errado, e por vezes cria situações contraditórias ou simplesmente impossíveis de entender. Apesar de ter passado três anos como prisioneiro no Japão, não é de se esperar que Clavell tenha se tornado fluente na língua do país, é claro, e a maioria dos usos corretos de japonês no livro é considerado por especialistas como "japonês de sala de aula".

Finalmente, uma coisa sobre a qual eu já tinha pesquisadodiz respeito ao grogue que os marujos do Erasmus adoram beber. O problema é que esse termo não existia antes de mil setessentos e poucos. Antes disso, os marujos recebiam, na verdade, rum como parte de seus víveres para as viages. Grogue - uma mistura de rum, cerveja fraca ou água e suco de limão ou lima - foi desenvolvido para combater o escorbuto e para prevenir os marujos de ficarem completamente bêbados. Há uma certa dúvida sobre a data exata de sua criação, mas não foi antes do meio do século XVIII.

Mas, é importante observar que Xógum não foi criado para ser uma aula de japonês para iniciantes, nem mesmo um livro de história sobre o japão, mas sim uma versão romantizada de fatos históricos, e Clavell teve a polidez de inclusive mudar os nomes de todos os personagens. Além disso, apesar de muita pesquisa, estamos falando do Japão de 1600, e Clavell não era um historiador e não tinha todo o conhecimento disponível hoje para realizar suas pesquisas. Considerando isso tudo, Xógum é um excelente romance,historicamente acurado na sua quase totalidade, com alguns anacronismos aqui e ali que, de forma alguma atrapalham a leitura - principalmente daqueles que não entendem nada da língua japonesa e cujo conhecimento em detalhes ridiculamente específicos não é extremamente acurado.

Em tempo: A maioria desses "problemas" eu descobri só depois de terminar o livro e ficar extremamente interessado em algumas de suas passagens.

***** FIM DAS REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ******


Como notas de rodapé, deixo aqui um excelente livro intitulado Learning from Shǀgun - Japanese History and Western Fantasy, um excelente livro falando da história não só do Japão mas também da Inlgaterra, as disparidades entre história e o romance de clavell e um monte de outras coisas muito interessantes sobre o livro. Vale muito a pena ler!

Finalmente, se alguém estiver interessado em assistir a versão pra TV da minissérie baseada no livro, produzida em 1980 e dirigida pelo próprio Clavell, estrelando Richard Chamberlain e Toshiro Mifune, ela está disponível no youtube. Apesar de ter achado versões completas da série, elas são de péssima qualidade ou têm legendas em francês ou alguma outra língua estranah. Mas tem uma ótima versão - sem legendas, então é bom pra aprender tanto japonês quanto inglês! -  em quatro partes, como ela foi originalmente produzida pra passar na TV.

E pra finalizar, apesar de eu já ter dito isso lá em cima,, reitero: leitura fortemente recomendada!








segunda-feira, 9 de março de 2015

Xógum - Tomo 1

Depois de ler Ninja, que me agradou bastante, fui atrás de outros livros que falassem de cultura japonesa. Numa conversa sobre o assunto com o Oscar, lá da Montecristo, ele me indicou esse livrão em dois tomos enormes, de 700 páginas cada um,  que é considerado uma das melhores obras em termos de retrato do Japão feudal e seus costumes.

Comprei os livros e   comecei a ler o tomo um. No meio da leitura, muito divertida, alias, resolvi fazer algumas pesquisas sobre a obra e o autor. E descobri muitas coisas interessantes!

Assim, apesar dos dois livros formarem uma única história fechada - não dá pra ler um sem ler o outro - decidi fazer duas resenhas sobre a obra: essa primeira trata principalmente do autor e da 'história por trás da história' do livro, e a próxima vai falar sobre a história em si. 

Primeiro, vamos conhecer o autor, porque vale bastante a pena. O senhor Clavell, antes de começar a escrever livros (e filmes), foi soldado da Royal Australian Navy. Em 1940, com 19 anos, ele foi mandado para lutar na Malásia Britânica, onde foi ferido por uma rajada de metralhadora e acabou sendo capturado pelos japoneses e enviado para a prisão de shangi, em singapura, onde ficou preso por três anos - esse evento, alias, rendeu um livro chamado King Rat. Ele acabou sendo resgatado por outro prisioneiro de guerra (que ele usou como modelo para seu personagem "King", em King Rat) e voltou a ativa no exército, como capitão. Um acidente de motocicleta em 1946 acabou com a carreira dele no exército, e o fez engressar na Universidade de Birminghan, onde encontrou uma atriz que mais tarde se tornaria sua mulher, e começou a escrever. 

Bom, em 1953, ele e a esposa emigraram pros Estados Unidos, depois de Clavell já ter escrito alguns livros (dos livros dele, eu só tinha ouvido falar do Tai-Pan, mas ele escreveu mais uns 10 livros, incluindo uma versão d'A Arte da guerra do Sun-Tzu), ele começou a escrever filmes. Além de Ao Mestre com Carinho, uma adaptação do livro semi-autobiográfico de E. R. Braithwaite e outros 13 outros filmes e mini-séries (incluindo adaptações muito bem-sucedidas de seus próprios livros) ele também escreveu o roteiro d'A Mosca! 

Pois é, o cara era bom em escrever boas histórias!

No caso de Xógun, em particular, Clavell criou um romance baseado em um evento real, a Batalha de Sekigahara, que deu início ao shogunato Tokugawa, que durou 265 anos e foi conhecido como Era Edo, tendo terminado em 1868 com a famosa Restauração Meiji (Samurai X, alguém?). Apesar da romantização e dos nomes terem sidos todos alterados, a maioria dos eventos refletem acontecimentos reais que antecederam a Batalha de Sekigahara, incluindo a presença de John Blacktorn, que é baseado no navegador inglês Willian Adams, o primeiro Inglês à chegar ao Japão e o primeiro ocidental a se tornar Samurai.  

A pesquisa de Clavell foi tão precisa e minuciosa, que, auxiliada por sua experiência em Singapura tornaram Xógum uma espécie de enciclopédia para os costumes japoneses, na época em que foi escrito. Como estamos lidando com um protagonista ocidental que não fala lhufas de japonês e nunca tinha pisado na Terra do Sol Nascente, tudo tem que ser minuciosamente explicado para ele (e, por consequencia, ao leitor) sem requerer "forçações de barra" pra tudo ser tão explicadinho. E o livro é realmente uma aula: ensina os costumes do Japão, formas de tratamento, política, estruturas sociais pública e privada e até práticas sexuais. Além disso, Clavell cria uma trama extremamente intrincada (me tomou três semanas ler esse primeiro livro, por conta das idas e vondas que precisei dar pra entender o que estava sendo explicado, principalmente porque tem um monte de nomes japoneses pra decorar no meio do caminho (de cabeça eu consigo lembrar de uma dúzia sem fazer esforço, agora que já li todo o primeiro tomo). Dá até pra aprender umas palavrinhas em japonês no meio do caminho - o que me fez querer voltar a aprender Japonês, alias. 

Enfim, acho que essa é, por cima, a história por trás da hist´ria. Na próxima resenha (daqui há umas duas ou três semanas...) vou falar da trama do livro em si. Mas mesmo só tendo lido o primeiro tomo, posso garantir que o livro é muito bom e extremamente divertido de ler!