quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Ensaio sobre a Saudade

Passei um dia inteiro chorando, essa semana, por pura saudade.
Pode parecer ridículo para uns, exagero parao outros, ou simplesmente exibicionismo para alguns. Mas foi um dia triste, pra mim. Saudoso e triste.
Seria um dia longo. Faculdade manhã e tarde, depois uma reunião de negócios no fim da tarde. O sentimento me veio logo pela manhã. Foi um livro que eu lí, que falava nisso, eu sei. Um livro que eu já lí. Nunca imaginei que me afetaria tanto. Cheguei à ultima linha quando estava no ônibus, indo para o centro da cidade. Fechei o livro com um nó na garganta, lágrimas querendo vir aos olhos. Difícil de controlar. Fiz o caminho de sempre. Comprei cigarros, falando o mínimo possível, pra não desatar o nó na gragante em lágrimas. Caminhei lentamente para a faculdade, fumando, pensando nos amigos que se foram. É uma caminhada relativamente curta, levo vinte minutos pra chegar da parada final à faculdade. Levei mais de meia hora, naquela manhã. Enquanto caminhava, meio trôpego, meio embriagado com as lembranças, os olhos desfocados com a fumaça, o vento forte e as lágrimas, que correram soltas depois dos primeiros dez passos, carreguei comigo as lembranças de mortos e vivos que se foram. Das pessoas que fizeram de mim o que eu sou hoje, pelas suas influência, suas palavras e exemplos, e que eu jamais vou ver novamente, seja porque não estão mais sensíveis à estes limitados sentidos da carne, seja porque sua presença desvaneceu atrávez da névoa dos anos e dos quilômetros.
Caminhei, lembrando as conversas de bar, as risadas durante sessões de RPG ou em frente ao videogame, as caminhadas sem destino, as discussões existênciais no meio fio a uma da madrugada, das filosofias ideológicas à volta da fogueira, da religiosidade regada à café olhando as estrelas, do diálogo meio sem graça de amigos que não se conhecem mais num reencontro prorrogado além do que deveria, de saber por uma irmã longínqua que sou igual ao meu pai que não conheci.
Cheguei na faculdade abalado. Atrasado, também. Pedi desculpas à professora, e foi tudo o que disse toda a manhã. Trabalhei de modo febril em gravuras que poderiam ser obras-primas de um artista perturbado, mas que são simplesmente pedaços arrancados de uma placa que seria usada para fazer solados de sapato. A tristeza, diferente do que acontece com muitos artistas mundo afora, me atinge não como uma musa de inspiração mórbida, mas como uma vespa enraivecida tentando se desvenciliar da caixa-prisão do meu crânio.
Saí mais cedo, quando não havia mais nada para destruir daquilo que eu carregava comigo, e fui encontrar um lugar para espairecer. Sentei, à beira da água, numa manhã morna, com vento, que se desdobrou em um início de tarde insuportavelmente ensolarado com um vento que chicoteava e uivava como se viesse de outro mundo para me manter ciente que minhas lembranças eram apenas lembraças. Infelizmente, ele fez um péssimo trabalho. Passei três horas sentado, praticamente imóvel exceto pelas mão que acendiam e fumavam um cigarro atrás do outro, secando cada lágrima que possuia. E lembrando.
à tarde, chorei diante da porta da sala onde uma turma me esperava para que eu ministrasse uma aula de desenho, e me evadí do prédio como uma bruxa perseguida pela inquisição. Vaguei, me sentindo ridículo, por lugares da cidade que eu não conhecia, esperando não encontrar nenhuma face familiar. Não tinha mais lágrimas para derramar, mas não conseguia manter meu rosto firme. Tremia e gemia. Sentei-me, num banco de praça, e ví o desfile dos mortos que me acompanhavam, um a um, lembrando nossos momentos bons passados ao lado do outro. A tarde ia no meio, quando levantei-me, pernas inseguras, e me dirigi para o café onde as pessoas sabem que podem me encontrar. Eu teria que enfrentar os vivos mais cedo ou mais tarde, e naquela hora, parecia que seria mais cedo do que me era possível. Sentei, pedi um café, rabisquei linhas sem sentido em um papel, depois em outro. Lentamente, me recompondo, esperando. Então os vivos vieram tomar o lugar dos mortos. Passei uma hora, então, na companhia de amigos. De pessoas que serão lembranças comigo para sempre, mas que ainda são presenças ao meu lado, paupáveis. Com eles, foi mais fácil ser eu mesmo outra vez. As lembranças dos que foram subjugadas pelas lembranças dos que ainda são. Foi uma trégua bem-vinda.
Voltei para casa, numa viagem da qual mal lembro, meio absorto em nada, pesado demais para caber em mim mesmo, mas leve demais para me manter coeso.
Voltei à minha casa lentamente. Preparei um café, em quase torpor. Ascendi um cigarro e fiquei olhando a parede, longamente. Ouvi, então, minha mãe. Ela vinha lenta, bebendo um vinho, como sempre faz no fim da tarde, descanso merecido dos dias preocupados e corridos.
- Tudo bem? Tu chegou meio cabisbaixo...
- Tudo bem. É só saudades... - E desandei outra vez à chorar.
- Ah, saudades - disse ela. Saudades é tudo o que levamos, pela vida toda, das pessoas que nós amamos.
à essas palavras, ela saiu, e eu a ouvi fungar, dalí a um momento, como quem chora baixinho, pra si mesmo. Choro de saudade.
Chorei, ainda, por um tempo. Sozinho, sentado à mesa de desenho. Até que escureceu. Fui para o meu quarto, com a solidão de um mundo repleto de nada além de lembranças, que é certamente o mundo mais solitário de todos, e adormeci, com lagrimas secas saindo dos olhos.
As lembranças ainda calam fundo em mim, mesmo agora. A recordação de todas aquelas lembranças, meus mortos e feridos, aqueles que se foram, que não voltaram por que assim decidiram ou por que lhes foi imposto, ainda está aqui, ao meu lado. Agora não me fazem chorar mais, mas tenho certeza que ainda passarei alguns dias assim, meio leve, meio pesado, indefinido, desfocado.

Ah, que saudades eu tenho! Que saudade eu tenho de todos vocês!