domingo, 21 de junho de 2015

Neuromancer

“O céu sobre o porto tinha a cor de uma televisão sintonizada num canal fora do ar”

Com essa frase, começa um dos livros mais fantásticos que eu já li. Neuromancer, além de ser uma história absolutamente perfeita de ficção científica, também é considerada a primeira obra que daria início ao movimento cyberpunk. 

Nenhum elogio à Neuromancer é demais. Com personagens bem construídos, uma trama absolutamente atraente e cenários finamente bem desenvolvido, ela é uma versão futurista do Senhor dos Anéis - um livro capaz de levar o leitor à uma terra distante, em uma busca fantástica. 

Precisei de quatro tentativas pra conseguir ler a obra de Gibson - nas primeiras três, com livros emprestados, acabei não tendo tempo de ler a obra antes de devolver. Alias, foi Neuromancer que me fez desenvolver a lógica de não ler livros emprestados, justamente por isso. Com exceção de alguns amigos muito próximos - notoriamente minha mãe, minha avó, e minha noiva - eu raramente pego livros emprestados pra ler; prefiro comprar e desfrutar da leitura no ritmo que me aprouver. Alias, deixem-me colocar aqui uma pequena nota de agradecimento: ganhei minha cópia do Neuromancer - num box com a Trilogia de Sprawl, alias! Cont Zero já está sendo deglutido! - como o melhor presente de dias dos namorados que consigo lembrar! 

Diferente do que costumo fazer, apenas falando da obra, escolhi alguns excertos do livro pra dar um gostinho da história. Afinal, em se tratando de Neuromancer, não tem muito o que se possa dizer. O ideal é ler, mesmo! 

Uma nota final antes de passar aos trechos do livro: A tradução feita pela Aleph ficou primorosa! Eles escolheram muito bem que termos traduzir e que termos não traduzir do original, e mantiveram até mesmo algumas frases inteiras em inglês ("-The love os Jah, mom.") que dão um sabor todo especial na leitura! É a primeira vez que li uma tradução realmente digna de nota! Trabalho perfeito!

Enfim! Vamos, então, à alguns trechos da obra: 

*** TRECHOS DO LIVRO À SEGUIR! ***
"Ele havia cometido o erro clássico, aquele que jurou jamais cometer. Roubou de seus empregadores. Guardou uma coisa para si e tentou repassá-la por um receptor em Amsterdã. Até hoje ele não sabia ao certo como havia sido descoberto, não que isso importasse agora. Na época, achou que fosse morrer, mas eles apenas sorriram. Claro que estava tudo bem, disseram a ele, estava tudo bem ele ficar com a grana. Ele ia precisar. Porque – ainda sorrindo – iam se certificar de que o cowboy nunca mais trabalhasse.
Danificaram seu sistema nervoso com uma microtoxina russa dos tempos de guerra.
Amarrado a uma cama de um hotel em Memphis seu talento queimando mícron a mícron, alucinou por trinta horas.

Para Case, que vivia até então na exultação sem corpo do ciberespaço, foi a Queda. Nos bares que frequentara no seu tempo de cowboy fodão, a postura da elite envolvia um certo desprezo suave pela carne. O corpo era carne. Case caiu na prisão da própria carne."

"Ele fechou os olhos.
Encontrou a face em relevo do botão de Power.
E, na escuridão iluminada de sangue atrás de seus olhos, fosfenos prateados queimando na borda do espaço, imagens hipnagógicas se alternando rapidamente como filmes compilados a partir de frames aleatórios. Símbolos, figuras, rostos, uma mandala fragmentada de informação visual."

"Zion havia sido fundada por cinco operários que se recusaram a voltar, que deram suas costas ao poço gravitacional e começaram a construir. Sofreram perda de cálcio e encolhimento cardíaco antes que a gravidade rotacional fosse instalada no toroide central da colônia. Visto da bolha do táxi, o casco improvisado de Zion lembrou Case do patchwork de barracos de Istambul, as placas irregulares e descoloridas rabiscadas a laser com símbolos rastafári e as iniciais dos soldadores."

"- Neuromancer — disse o rapaz; os seus olhos cinzentos e rasgados eram fendas abertas no sol nascente. — A vereda para a terra dos mortos [...] Neuro, de nervos, os caminhos de prata. Romancer, romancista. Necromante. Eu invoco os mortos. "

terça-feira, 16 de junho de 2015

Maré Alta Estelar

Esse pequeno livro em dois volumes - ainda estou tentando entender porque um livro de 400 páginas em formato de bolso foi dividido em 2 volumes - sem tradução brasileira me deu um cansaço considerável antes de eu conseguir finalmente terminar de ler. Na verdade, como eu já havia comentado, ele me deu um cansaço tão grande já nas primeiras páginas que eu tive que deixar a leitura de lado por algum tempo antes de enfrentar a pequena tarefa de ler o rapazote.

"Mas Domênico, um livrinho de 400 páginas, ainda por cima dividido em dois volumes! Porque essa enorme dificuldade em ler?" pergunta alguém. Bom, o caso é que, além do livro ter um glossário noinício do primeiro volume explicando algumas das idéias, raças e nomenclaturas específicas do cenário (algumas das quais são bastante confundíveis, como "fen" e "fem", o primeiro termo sendo um vernáculo para neogolfinho, uma raça do cenário, e o segundo significando mulher humana, o que, no começo do livro, pelo menos, me causou muitos problemas pra entender se uma determinada fem era uma humana ou uma "golfinha", por exemplo), ainda por cima o livro. como eu disse, não tem uma tradução brasileira, sendo uma tradução para português de Portugal. Claro, a leitura de português de Portugal não causa muitos problemas, geralmente, mas num livro em que além de se adaptar ao cenário o leitor precisa se adaptar à linguagem as coisas complicam! Eu ainda não sei o que significa chamar alguém de "cria de um choco com tinta", por exemplo, e muitas vezes precisei ler algumas frases mais de uma vez pra entender o sentido exato de uma determinada frase ou palavra, e fiquei com algumas dúvidas dentro e fora do livro, como Krat:
"Bibliotecário! - chamou. - Não compreendo algumas das palavras do ser humano. Descobre o que aquela expressão <<Nyaahh nyaahh>> quer dizer na sua animalesca língua de arrivistas!"
(mas creio que nesse caso a culpa não é inteiramente dos portugueses)

Símbolo da Biblioteca Galáctica

Enfim!

Depois desse imenso prólogo pra explicar algumas coisas que me levaram a demorar mais de um mês pra ler meras 400 paginazinhas, vamos ao livro em si!

Maré alta Estelar se passa no universo Uplift, criado por David Brin no primeiro dos seis livros dessa coleção, Sundive - um livro, alias, sem tradução pra português; descobri também que a maioria dos leitores da série Uplift consideram o livro dispensável, já que ele se passa uma centena de anos antes dos outros cinco volumes e não tem nenhum ligação direta com os outros cinco, que, por sua vez, formam uma pequena saga cujas tramas estão bastante emaranhadas uns nos outros.

Nesse pequeno universo, os Humanos entraram em contato com as outras raças galácticas que formam um grupo coeso apesar de internamente conflituoso, unidos pelo conhecimento contido na Biblioteca Galáctica, um instrumento ancestral criado pelas primeiras raças de Patrocinadores e que contém todo o conhecimento acumulado por todas as raças tanto Patrocinadoras quanto Clientes conhecidas.

Os Humanos, nesse cenário,s são vistos como bárbaros por serem seu próprios Patrocinadores, ou terem Patrocinadores desconhecidos - não se sabe exatamente a verdade - o que significa que eles não foram evoluídos de seres pré-sencientes para uma raça completamente consciente por nenhuma outra raça, mas sim por meio de evolução natural, aparentemente. Todas as outras raças galácticas possuem Patrocinadores (que são as raças responsáveis por trazer uma espécie do estágio de imaturidade até o estado de auto-consciência completa a partir de desenvolvimento genético), embora algumas das mais antigas tenham Patrocinadores já extintos. Os Humanos, por sua vez, possuem duas raças clientes (que são aquelas raças que devem sua inteligência à melhoramentos genéticos desenvolvidos pela sua raça Patrocinadora), os Fen, ou Neogolfinhos e os Neochimpanzés. Os primeiros são excelentes pilotos espaciais, devido ao seu instinto natural de manobrar em três dimensões (já que, afinal, eles basicamente fazem isso quando estão nadando) apesar de estarem em um estado bastante inicial de sua evolução genéticamente melhorada, enquanto os chimpz são extremamente competentes naquela área que escolhem se desenvolver, mas são carentes de criatividade e em geral obsessivos com as funções que desempenham.

Dentro desse cenário, a nossa história começa com a Streaker - que deve seu nome a um tipo específico de windsurf, pelo que eu consegui entender, apesar do termo hoje em dia ter uma conotação completamente diferente, o que me fez rir sozinho muitas vezes durante a leitura... - a primeira nave espacial comandada por um neogolfinho, com uma tripulação quase totalmente composta por fen, exceto por sete humanos e um neochimpanzé, que cai em um planeta desabitado enquanto é perseguida por outras raças galácticas depois de ter, acidentalmente, encontrado uma imenso grupo de naves ancestrais, supostamente pertencentes aos Progenitores - a primeira raça de Patrocinadores. O livro acompanha as aventuras da tripulação da Streaker durante seu cerco enquanto tentam consertar a nave avariada e sobreviver em um mundo hostil.


A estrutura narrativa do livro é rotativa, alternando entre os pontos de vistas de um determinado narrador a cada capítulo - o mesmo recurso utilizado por Martin em seus famosos livros da Guerra dos tronos. Brin, no entanto, não desenvolve capítulos muito longos - alguns deles tem menos de uma pagina ou até mesmo umas poucas frases em alguns casos - o que mantém o leitor sempre à espera do desfecho de um acontecimento no fim de cada capítulo, o que cria um ritmo de leitura - idealmente - bastante acelerado, já que o leitor quer saber o que vai acontecer em seguida no final de praticamente todos os capítulos!

Brin também criou um tipo específico de linguagem para os neogolfinhos, o Trinário, que usa um padrão semelhante ao Haiku japonês, com a justaposição de duas idéias em sentenças de três frases compostas por 5, 7 e 5 sílabas, respectivamente (infelizmente parte dessa estrutura se perde na tradução, obviamente, já que o número de sílabas é impossível de se manter o mesmo) com um resultado extremamente interessante.

Como é possível notar por essa rezenha, o cenário de Uplift é bastante complexo, e é preciso algum tempo pra entender o funcionamento das coisas. Mas depois de se passar pelos primeiros capítulos, a leitura se torna extremamente prazerosa e a trama instigante - não é a toa que ele levou os prêmios Locus, Nebula e Hugo de 83, quando foi lançado.

Maré Alta Estelar não tem tradução brasileira, mas praqueles interessados em uma leitura interessante, num cenário extremamente criativo e sem problemas com ler "lusitano", é certamente uma leitura fortemente recomendada!

Em tempo: Durante minha pesquisa com relação ao livro, descobri que existe uma adaptação do cenário pra GURPS! Fiquei extremamente curioso pra ler essa adaptação. Se alguém aí tiver esse livro, eu agradeceria um empréstimo - já que deve ser bastante difícil de achar o volume pra comprar hoje em dia.