domingo, 28 de setembro de 2014

Não Faça Acordos com o Dragão


Para aqueles que não conhecem, Shadowrun é um cenário de RPG cyberpunk, passado em uma década de 2050 em que a magia despertou de forma abrupta há cerca de 40 anos, trazendo de volta os feitços e criaturas das lendas, como orcs, trolls, elfos - e dragões - para se juntarem de forma mais ou menos harmoniosa à alta tecnologia do meio do século 21.

Dentro desse cenário, que combina elementos de tecnologia futurista - como membros biônicos, armamentos inteligentes e implantes neurais - e fantasia medieval contemporânea - incluindo magos, raças tolkenianas e criaturas fantásticas - estão os shadowrunners, aventureiros que lutam pela sobrevivência na selva urbana controlada pelas grandes corporações que estendem seus tentáculos em todas as direções. Uma combinação original de elementos que torna o cenário único e extremamente excitante.

Dentro desse singular cenário, seguimos Samuel Werner, um empregado modelo de uma das grandes corporações, em sua queda vertiginosa e sem retorno em direção às sombras.

A narrativa é rápida e vigorosa e mantém um ritmo muito bom, e os personagens são todos carismáticos em algum sentido, e com psicológicos bem construídos e trejeitos marcantes. É fácil gostar ou odiar cada um deles.

O ritmo da narrativa deixa, no entanto, pouco espaços para descrições, tanto em termos de cenário quanto dos personagens. apesar do paradigma sócio-econômico ser bem explorado, a maioria das descrições de locações é bastante vaga, fazendo com que o cenário acabe se desenvolvendo em uma espécie de versão de baixa produção de um filme de ficção da década de 80. O que não deixa de ser atraente, na verdade, mas acredito que essa percepção deva mudar de leitor para leitor, de acordo com sua bagagem cultural e conhecimento específico sobre o cenário - o que pode ser bom mas também pode ser bem ruim.

Esse problema também existe no caso dos personagens. A minha imagem de muitos deles foi abruptamente modificada quando o autor adicionou algum detalhes considerável - como cor de cabelo (A Sally é loura, não índia!), dentes irregulares, cicatrizes - depois de eu já ter formado uma imagem sólida baseado no que tinha sido entregue até então. Alguns personagens (como o Fantasma que Anda por Dentro) simplesmente se tornou amórfico na minha imaginação, de tantas modificações que o autor foi apresentando pra ele ao longo da narrativa.

[edit] Grey Otter, que pelo nome eu imaginava uma espécie de Danny Trejo cyberpunk, na verdade é uma mulher esguia com aparência jovem, como eu descobri no começo do terceiro livro. Pelo menos ela tem feições indigenas... [edit]

O livro tem defeitos e qualidades, e as últimas superam bastante as primeiras, mas definitivamente não é um livro perfeito. É realmente bom, com reviravoltas interessantes e situações bem construídas, sem furos de roteiro e bastante sólido na sua proposta. E apesar de ser o volume 1 de uma trilogia, o final é suficientemente bom pra ser um desfecho satisfatório, apesar de algumas pontas soltas.

Em suma, é um bom livro, tanto pra quem gosta de ficção quanto pros que gostam de fantasia, e certamente pra qualquer RPGista, independente do gosto, já que parece uma enorme campanha solo, com todos os elementos pertinentes  - PdMs marcantes, inimigos ardilosos, monstros perigosos e planos mirabolantes.

Leitura fortemente recomendada!

sábado, 20 de setembro de 2014

O Demônio de Gólgota

Esse foi o segundo livro de Frank de Felitta que eu li. O primeiro foi A entidade, anos atrás. Não lembro de quase nada do livro, exceto que o enredo era ao redor de uma mulher sistematicamente estuprada pelo espírito de um chinês lutador de sumô. Foi há muito tempo, eu disse.

Apesar de ser um livro sobre catolicismo -grandemente calcado nas revelações religiosas de um jesuíta em uma pequena cidadezinha americana e de dois parapsicólogos que coincidentemente estão no mesmo local para pesquisar fenômenos estranhos - grande parte dos acontecimentos que movem o livro são causados por experiências sexuais por parte dos personagens. Todos eles. Parapsicólogos, padres, jesuítas, professores de Harvard.. Acho que só o Papa foi poupado (Sim, tem um papa no livro. O nome dele é Francisco Xavier, vejam só). Acho que todos que lêem o Café com Letra conhecem meu desgosto por esse tipo de gatilho nos livros. Mas nesse caso, apesar de estar presente, até de forma grosseira e grotesca, o sexo impulsiona o livro adiante, e não é jogado no enredo de forma gratuita.

Bem, analisada a parte do sexo... O livro é interessante. Na maior parte do tempo, te mantém na dúvida se os fenômenos são de origem religiosa ou científicas. Uma teria derruba a outra a cada dois, três capitulos, e isso vai te impulsionando adiante, na tentativa de entender o que diabos - literalmente - está acontecendo. O livro é dinâmico, e apesar de tu ficar com raiva das burrices de todos os personagens, tem... bom, forças agindo por trás de tudo, então fica difícil simplesmente chamar eles de burros.

No fim das contas, é um bom livro. Tem passagens particularmente boas, com alguns calafrios - pelo menos pra quem gosta de ler durante á noite, num lugar ermo como as Gaylands... - mas em geral é só instigante -não que isso seja, de forma alguma, um problema, exceto que é um filme de terror, não espionagem nem ficção científica. A narrativa é ágil e te mantem querendo virar capítulos, chegar ao final do mistério. Os capítulos finais são fantásticos, mas infelizmente, o livro termina de forma desconfortavelmente abrupta e vai contra tudo o que se espera durante o livro todo. Me senti bastante traído.

Alias, esse é um sentimento comum nas minhas tentativas de ler terror.

Bom, acho que é um bom livro de terror, pra quem gosta do estilo.

Eu? Vou voltar pra ficção científica, com licença.

domingo, 14 de setembro de 2014

Cantiga do Inferno

Demônios espreitam nas copas das árvores
Olhos vermelhos na boca de lobo
Cultos noturnos de ácido e fogo.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta maldito apresenta a oferenda.

Súcubos bailam em vestes de freiras
Íncubos uivam nas esquinas da morte
O pacto escrito em cera vermelha.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta maligno entrega a oferenda.

Cenobitas entendem as mãos em convite
O cubo se abre e revela a mazela
Os cravos do cordeiro transpassam o crânio.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta de Barker entrega a oferenda.

Duendes e fadas e agulhas em festa
Do sonho alquímico despertam a mandingueiras
Apolo na rima, Dionísio nas veias.

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta marginal entrega a oferenda.

A lua congelante recolhe seu brilho
Hórus se apronta detrás da montanha
Ébrio, o poeta recolhe suas vestes.

A cantiga do inferno destoa da graça
Lúcifer, orgulhoso, revoga a oferenda.

“Por que me ofertas, ó rato de esgoto?
Tens sangue nas mãos, tens pecado, que nojo!
Dá-me os santos para divino desgosto.”

A cantiga do inferno destoa da graça
O poeta baldio retira a oferenda.

O passo da noite é irregular e neblino
É estar no limite entre céu e inferno
A oferenda promessa imerge no limbo.

A cantiga do inferno não toca de graça
O poeta vaga em eterna tristeza.

Rody Cáceres