terça-feira, 10 de julho de 2012

Contrabando

Aparício Silva Rillo


 
Vai o barco de farinha 
cruzando o velho Uruguai.
 
Vaqueano dessas cruzadas 
vem na popa um índio moço 
manejando o varejão.
 
Vem atento e vem pensando:
Vou deixar do contrabando, 
não e vida pra um cristão.
Hoje eu vim porque o menino 
deu sumiço na chupeta 
e aquele piá trompeta 
saiu louco de chorão...
 
Sorri o moço da popa 
porque no bolso da roupa 
traz o bico pro piá.
 
Ouve um tiro, de repente, 
vindo da banda de lá!  
Foi o tiro de sinal.
 
Já no mais o tiroteio 
se acendeu no macegal, 
pipocando seco e feio 
como entrechoque de guampas 
no entrevero do rodeio 
no dia em que se dá sal.
 
Mala suerte!
O barco vinha chegando, 
e a cargo do contrabando 
com mais dez braças de rio, 
tinha subido a picada, 
da picada pra carreta, 
e daí pro caminhão.
 
Ouve um grito de: - Lã fresca, 
o Nico se lastimou!
Mas ninguém botou tenência 
no sentido deste grito, 
porque a coisa vinha preta 
sob o tendal de balaços 
que a guarda ajena estendeu.
 
Cada bala que cruzava 
debochava de assobio!
 
Quando o barco deu no porto 
no lado de cá do rio, 
o pessoal ganhou o mato, 
na picada se sumiu.
O barco ficou sozinho 
na madrugada e no rio.
 
Digo mal: ficou o Nico 
sobre um saco de farinha 
que um balaço espedaçou. 
Tinha um lenço maragato 
na brancura da farinha 
onde o índio se apoiou.
 
Foi quando a manhã surgiu, 
mostrando o sangue do Nico 
pingando dentro do rio ...
 
Menino, cala esta boca, 
não demora chega o Nico, 
vai-te trazer outro bico
que é pra tu não chorar mais.
 
Veio a manhã, veio a tarde,
veio a boieira luzir.
Veio a noite grande e morta,
A china veio pra porta,
E nada do Nico vir!
 
Veio um dia, 
mais um dia, 
veio outro dia depois
 
Ao pé de uma lamparina 
vela em silencio uma china 
que de chorar se cansou.
 
Numa cama de pelego 
choraminga sem sossego 
um piazito babão.
 
Choraminga!  Choraminga!
... porque o pai não trouxe o bico, 
e o que tinha se extraviou ...

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