quarta-feira, 6 de julho de 2011

Da Tristeza

Hoje amanheci um dia triste.

No fim de uma gelada manhã de inverno, vi que o céu ainda estava escuro, mas minha cama estava insuportavelmente quente, e decidi que era hora de ir. A despeito do frio que sabia que fazia lá fora, vesti apenas uma camisa sobre o torso, e saí, com a cinzenta manhã nascendo com o choro cinzento e invernal dos pássaros.

Bebi um café que não me esquentou, e fumei longamente no cachimbo que foi do meu avô, pensando em nada, exceto, talvez, na tristeza daquela manhã.

Com o grande olho do sol começando à espiar preguiçosamente no horizonte, pus meu machado no ombro e fui na direção das toras de madeira seca e prontas para serem rachadas para alimentarem as fogueiras que, nem elas, me aquecerão neste inverno. Ali, deixei que Cernunnos me levasse numa fúria vermelha, para tentar aplacar aquela melancolia tão profunda, que só fazia aumentar e aumentar. Golpeei e golpeei a carne rígida da madeira, e transformei uma grande arvore em um amontoado de galhos, tocos e gavinhas. Mas como a fúria não cessou, grande como era, continuei, e continuei, à beira da fogueira morta na qual, muitas e muitas vezes, vou comungar com os espíritos do céu, da terra, da água e do fogo.

E foi então, enquanto eu tremia naquela fúria angustiada, que a Dama veio e passou seus longos e acolhedores braços sobre meus ombros doloridos, e sossegada, deitou a cabeça sobre mim e sussurrou brevemente em meu ouvido.

A fúria se foi, e ali, na beira daquela fogueira sem vida, me prostrei e permiti que a melancolia se aconchegasse novamente. E a levei para casa, para o banho, através de cada gole de café e de cada tragada de fumo e depois pela rua afora, quando peguei a estrada que me levaria onde precisava ir. Lá, falei, com entusiasmo, à ouvidos mudos, quase todos, sobre minhas proezas e todas as coisas que aprendi. Apenas um homem realmente me ouvia, e seu sorriso sincero me mostrava o que passava em seu pensamento, que seria bom se houvessem mais homens como eu ao seu redor, e não apenas aqueles homens com ouvidos mudos. Apesar de um sincero orgulho e até algum júbilo, a tristeza não se afastou, tão aconchegada que estava em meu peito, sobre meus ombros, em mim.

E tomei a mesma estrada de volta pra casa, enquanto o sol olhava consternado para a tarde fria, e o vento estalava minha manta como um domador que mantém uma quimera invisível fazendo seus truques para ninguém.

E nesse caminho de volta, ouvindo como Doroteia achou e perdeu seu amor, pensei em que belos quadros poderia pintar sobre isso, num momento de inspirador desalento diante do fim das coisas belas. E pensei nas pernas de Doroteia, com seu pé pisado e roxo.

Mas, claro, foram as pernas e os pés Dela que vi. E foram eles que toquei com os dedos frios da minha memória, aqueles pés e pernas, e lentamente, foi percorrendo aquele corpo pelo qual me apaixonei todas as vezes que vi, e que não sei dizer se, algum dia, verei ou tocarei novamente, apesar dos sussurros da Dama.

É bom estar apaixonado. Eu aprendi a amá-La, depois que me apaixonei pela primeira vez, de uma forma mansa e serena. Mas aquela primeira vez não foi a única. Me apaixonei por Ela em todos os reencontros. E me apaixonei novamente no final de cada conversa empolgada sobre tudo e nada. E me apaixonei toas as vezes que vi seu corpo pronto pra se entregar a mim.

Separei os ingredientes, quando cheguei em casa, e comecei a sovar um pão, porque meus amigos vêm me visitar na noite triste deste dia triste, e enquanto espero pelo inchar do pão, para moldá-lo e prepará-lo, ainda choro, lembrado que, apesar de todo o amor e toda a paixão, tão imensos quanto a tristeza que agora pesa sobre mim, não fui capaz de fazê-la tão feliz quanto eu fui. Não abri concessões. Fui egoísta, fui duro e, por fim, matei aquilo que me mantinha vivo. Esfriei o calor que Ela me dava. E essas lembranças são mais amargas do que sou capaz de conceber, e trazem mais pesar do que jamais acreditei que fosse possível haver.

E quando meus amigos chegarem, talvez ainda me encontrem chorando, ou choremos juntos mais tarde, pelas nossas tristezas e perdas, nesse inverno tão, tão frio.

E lhes servirei meu pão, que sovei com meus punhos pesados e temperei com as lágrimas que verti enquanto lembrava da falta Dela, que me traz essa tristeza e fazem meus dias amanhecerem mais frios do que os de qualquer inverno passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário