segunda-feira, 25 de abril de 2016

Azincourt

Mais um livro adquirido lá pros lados da Montecristo - que, afinal, além de bom café e excelente conversas também me rende livros volta e meia, sendo, afinal de contas, uma livraria! - que me proporcionou um punhado de "pequenas histórias" além da trama do livro em si. A primeira delas diz respeito à própria compra do livro: enxerguei o livro na prateleira, agarrei ele afoito, avisei o pessoal que ia levar e sentei no pátio da livraria pra começar a ler, acompanhado de café e cigarros. Depois de ter lido umas poucas páginas, fui surpreendido pela chegada de algum conhecido - não lembro mais quem era, exatamente - e me engajei em uma conversa que se desenvolveu ao longo da tarde. Em um determinado momento da conversa, uma garoa fina caiu, nos obrigando a recolher nossos pertences - inxcluindo o livro, que foi pro fundo da minha mochila - e voltar para as dependências cobertas da livraria. Ao final da tarde, paguei meus cafés, e saí, feliz e contente, de volta pra casa.

Só dois dias depois, quando fui ver o que era o peso dentro da mochila, é que reencontrei o livro e me dei conta que não havia pago ele! Sem internet nem créditos no celular, o livro ficou mais de uma semana me olhando de cima da prateleira com ar de culpado. Como não tinha pago o livro, eu não me senti confortável pra ler, por um desses sentimentos bobs que a tal consciência nos trás.

Eventualmente, claro, fui de volta à Montecristo, expliquei a coisa toda - que obviamente não teve nenhuma repercussão além de algumas rizadas -, paguei o livro e finalmente minha consciência me deixou ler o bastardinho!

O livro, como o próprio nome já diz, trata da batalha de Azincourt (ou Agincourt, como também é grafado o nome da batalha) além de dois outros cercos que ocorreram logo antes da dita batalha, no ano de 1415, durante a guerra dos cem anos.

Ah, antes que eu esqueça, aquele aviso amigo: Adiante, revelações sobre a trama adiante! Claro que, nesse caso, não há grandes revelações, já que a batalha que dá nome ao livro e os dois cercos descritos m suas páginas são acontecimentos históricos bastante documentados, mas enfim, não custa avisar.

O livro segue os passos do arqueiro e guarda-caça inglês Nicholas Hook, cuja rixa familiar com relação aos Perril (e um incidente envolvendo o estupro de uma jovem lollarda) acaba por tornar o arqueiro um fora-da-lei, o que faz com que se torne um arqueiro mercenário que se une às tropas enviada para proteger a cidade de Soissons, na Borgonha, contra uma invasão francesa. Os franceses invadem a cidade e a tomam com facilidade, e as atrocidades cometidas contra a população é absolutamente chocante - particularmente considerando que os moradores de Soissons eram eles próprios, franceses!

Hook escapa com vida dessa batalha quase "por milagre", depois de salvar uma freira de ser estuprada. Ele eventualmente consegue retornar para terras inglesas, onde relata o que viu no cerco - incluindo a traição pelo lorde inglês responsável pela proteção da cidade - e acaba caindo nas graças de sir John Cornewaille, que o torna membro de sua companhia de arqueiros. Sir John e o exército real rumam para a frança em uma capanha para conquistar o reino, iniciando com o cerco ao porto de Harfleur.

Esse trecho do livro, assim como sua aquisição, me rendeu algumas pequenas histórias interessantes, graças à uma série de coincidências entre a trama do livro e acontecimentos ao meu redor. No livro, a campanha para tomar Hanfleur começa mal, com a região inundada por chuvas fortes, enquanto aqui tivemos uma época de chuvas constantes, também, incluindo uma pequena tempestade que causou alguns estragos consideráveis. Enquanto Hook derrubava arvores para preparar uma porca (um túnel feito sob as muralhas de uma cidade, construída para ser destruída e assim colocar a muralha em sí abaixo) eu cortava árvores caídas no meu pátio. Depois, uma doença atacou o exército inglês com um surto de diarréia, enquanto eu me encontrava às voltas de um entupimento na caixa de esgoto da minha cozinha. Hook cavava a porca em meio à um lamaçal fedendo à esgoto no livro, enquanto eu cavava meu pátio em meio ao lamaçal fedendo à esgoto aqui em casa. Quando, depois de semanas de cerco Hanfleur se entregou aos frances, aqui eu finalmente consegui desentupir minha caixa de gordura.

Depois desse cerco, que durou mais tempo do que os ingleses previam e que acabou reduzindo drasticamente o exército por conta da doença, fome e das pequenas batalhas em si, o rei Henrique decide, contra todos os conselhos em contrário, marchar para Calais ao longo da costa, numa demonstração de soberania - e também numa demonstração de despeito com relação à coroa francesa.

O exercito maltrapilho de Henrique, no entanto, acaba por ser interceptado pelo imenso exército francês - que, dependendo do historiador, varia de 2 à 8 vezes o tamanho do exército inglês. Além de menor, o exército inglês está cansado depois do lamentável cerco á Hanfleur e não tão bem equipado quanto o exército francês, que conta com uma vasta cavalaria muito bem protegida contra os arqueiros ingleses dentro de suas armaduras completas.

A batalha, que ocorre próximo ao pequeno castelo de Azincourt. As chuvas lá (e aqui) tornaram o terreno recém arado (ou recém escavado aqui) um lamaçal difícil de ultrapassar (lá por chegar à altura das canelas, aqui por tornar o terreno instável e escorregadio). Os franceses, sabendo que o faminto exército inglês precisava passar por eles para chegar à Calais, permanece estacionado e permite que os arqueiros ingleses se aproximem à distância de tiro. A enorme primeira onda de ataque francês é destroçada pelas flechas inglesas, mesmo protegido por armaduras completas, por conta do terreno difícil que impede que seus cavalos se movam com eficiência. A segunda leva, a pé, passa por dificuldades não só com o terreno, mas também para vencer os novos obstáculos apresentados na forma dos cadáveres de centenas de cavalos e cavaleiros mortos, e chega às linhas francesas cansado e fragmentado, sendo chacinado com facilidade pelos arqueiros surpreendentemente bem treinados em combate corporal e a pequena tropa de homens-de-armas ingleses remanescente. Os franceses desistem de lançar uma terceira onda de ataque contra os ingleses, cujos arqueiros já sem flchas, começam à recolher projeteis entre os mortos franceses. Assim, a batalha de Azincourt é entregue aos ingleses, contra todas as chances - enquanto aqui, eu ainda preciso lidar com o terreno lamacento, instável e escorregadio do meu pátio, pelo menos até que as chuvas dêem uma folga...

Preciso admitir que a batalha de Azincourt, na verdade, apesar de ser o climax do livro, me deixou decepcionado. Cornwell foca a maior parte do livro no cerco à Hanfleur, e a parte do livro destinada à descrever a batalha de Azincourt é surpreendentemente curta, apesar de emocionante - particularmente porque se foca em quatro personagens concorrentes: Hook, na ala dos arqueiros, sir John entre os homens-de-armas ingleses, Lanferelle entre os atacantes franceses e Melisande (a freira que Hook salvou durante o cerco de Soissons e que posteriormente se tornou sua esposa) às voltas com a retaguarda do exército inglês. Apesar disso tudo acontecendo, a descrição da batalha é breve, e termina de forma um tanto... Abrupta, eu diria.

Apesar de ter sido o menos inspirado livro de Cornwell que eu li até agora, Azincourt é um livro interessante, contando com retratos distintos de batalhas históricas feitos, como é costume do autor, de modo eficaz.

Hook, o protagonista, no entanto, é um personagem pouco atraente, exceto, talvez, por ser doido de pedra - ele passa o livro todo ouvindo "vozes" que ele considera serem de santos e até mesmo de Deus! Um toque interessante na narrativa, devo admitir, mas fora isso, nosso "herói" é o protagonista mais apagado de todos os livros de Cornwell que li até agora. Por sorte temos Sir John com sua brutalidade verborrágica e o padre Chistopher com sua visão crítica sobre o mundo ao seu redor para nos mantermos entretidos.

Além disso, as pequenas curiosidades históricas sempre presentes nos livros de Cornwell, sua narrativa concisa e afiada, suas descrições cruas das batalhas e sua pesquisa de fatos históricos sempre bastante pertinente valem uma indicação de leitura fortemente indicada para este livro!

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