quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A Sexta Parte do Mundo

Em geral, gosto muito dos livros de Arthur C. Clarke. O Fim da Infância, a quadrilogia de Rama (lidos antes do surgimento do Café com Letra), Os Dias Futuros, Terra Imperial e meu favorito até aqui, Contos da Taberna são tods livros que lembro com carinho.

Graças à isso, A Sexta Parte do Mundo foi um proverbial banho de água fria. Nadei contra a correnteza do livro com braçadas cansadas por duas longas semanas. Um livrinho de bolso, com duzentas e poucas paginazinhas. Foi triste.

Adiante, revelações sobre a trama! Preciso falar dos pontos que me desagradaram no livro, e isso significa falar sobre a trama como um todo, incluindo vários pontos essenciais. Se não quer conhecer o conteúdo resumido do livro, é hora de abandonar essa leitura. Lamento.

Primeiro, com relação à datas . Em sua pequenina nota introdutória, Clarke diz que o livro começa 75 anos depois do ano que foi escrito (1957). Isso o situaria em 2032. Só que no final do livro (coisa de uns trinta anos mais tarde, ou seja, por volta de 2060) faz-se menção sobre "ano 4000". Uma discrepância bastante relevante! De fato, essa menção é a única feita no livro de fato, e as evoluções tecnológicas, econômicas e culturais da terra sofreram consideráveis mudanças, e eu não acharia estranho estarmos em algum ponto do quarto milênio, mas a Nota de Clarke me obriva a voltar pro século 21, e isso me incomodou. Tenho algum receio de que o problema tenha sido da tradução, mas não tenho como confirmar.

Enfim!

Outro dos fatores que me incomodou - mais profundamente, alias - é que o livro parece uma série de contos mais ou menos interligados. Tirando o nome dos personagens e o ambiente primariamente subaquático, é difícil fazer uma ligação entre cada uma das "sub-tramas" (entre aspas porque, na verdade, o livro não tem uma trama central). Basicamente, começamos o livro acompanhamos Don Burley em seu encontro com Walter Franklin, um novato com passado misterioso que é muito velho para ser simplesmente um cadete da marinha. Franklin é um personagem apagado, que quase não fala, e a trama na verdade roda ao redor de Don. Essa primeira parte termina com uma tentativa mal sucedida de sicídio pelo astronauta astrofóbico (sim, seu passado secreto era esse; ele sofreu um acidente no espaço e criou uma terrível aversão à viagens espaciais).

Temos um pulo de tempo de alguns anos e passamos a acompanhar Franklin, agora um guarda experiente, em seu dia-a-dia como guarda marinho, numa narrativa considerávelmente chata e honestamente desinteressante, até que ele se depara com um misterioso eco de 60 metros que não consegue desvendar. Essa parte do livro culmina com uma caçada á uma lula gigante (de consideráveis 40 metros) que me incomodou um pouco por ter um olho com cerca de 45 centímetros de diâmetro. Bem, a Mesonychoteuthis hamiltoni, o maior tipo de lula conhecida, pode chegar à 18 metros, e tem um olho com 30 à 40 centímetros di diâmetro. A lula monstruosa de Clarke deveria ter, portanto, um olho com pelo menos o dobro do diâmetro mencionado - aqui, novamente, eu tenho uma desconfiança que foi uma tradução mal feita que resultou nesses números. Um bocado de técnicas de mergulho e séries de mal-funcionamentos de equipamentos numa tentativa falha de criar tensão depois, essa parte do livro termina de forma no máximo morna, com a lula gigante dentro de um navio de pesquisa pra nunca mais ser mencionada.

Depois de pescar a maior lula da história temos Franklin, alguns anos mais velho, caçando sem sucesso o seu misterioso eco de 60 metros do capítulo anterior, num trágico fracasso que culmina na morte de Don Burley. Uma parte do livro que podia ser intensa, mas acaba sendo curta demais, infelizmente. E ninguém descobre o que o tal eco é de fato.

No próximo capítulo temos Franklin, agora diretor do departamento da marinha, às voltas com questões filosófico-religiosas trazidas por um budista que inicia uma campanha contra a exploração de carne de baleias. É interessante notar que, até aqui, nenhum tipo de aspecto religioso é sequer mencionado, e esse capítulo é recheado de explicações de como o budismo se tornou a religião mais importante daquele momento histórico, numa trama meio política que parece distante de tudo o que tinha sido visto até então no livro.

A trama vai um pouco adiante no tempo, e temos nosso protagonista se despedindo de seu filho - que virou astronauta e está indo pra vênus - e depois participando do resgate de um submarino. Tudo meio descolado do resto da trama.

O livro termina com Franklin apoiando o fim da exploração de baleias como gado de corte, algumas reflexões sobre ética e... Fim. O misterioso eco de 60 metros não é explicado, não temos idéia de como as decisões de parar de abater baleias vão impactar a economia mundial, não sabemos o que acontece com nenhum dos personagens da trama.

Em resumo, um livro sem uma trama central, que não vai a lugar algum, apesar de ter algumas reflexões interessantes sobre vegetarianismo, que infelizmente não recebem muita atenção (como, alias, nenhum assunto em particular recebe). Terminei o livro com a impressão que ele não tinha início, meio ou fim. Algumas idéias interessantes, todas mal aproveitadas, com personagens tão interessantes quanto um bando de morsas, e uma impressão de que a tradução foi extremamente incompetente (as pessoas usando o termo "mamute" pra se referirem à humanidade, em alguns momentos ou a mamíferos marinhos em outros, por exemplo, não fez sentido algum ao longo de todo o livro).

E é isso.

Me despeço da coleção Argonauta, provavelmente para sempre, e fico na esperança de que o próximo livro de Clarke que eu leia volte ao padrão de qualidade que eu me acostumei - acho, alias, que vou procurar a quadrilogia de Rama para reler. Parece uma excelente idéia!

4 comentários:

  1. Sim eu leio teu blog ainda!!! Sim eu curto oq tu escreve e sim eu me interesso em ajudar. Portanto: http://baixar-livro-gratis.com/?p=172376

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    1. Thanks, man, mas ler livros digitalmente não é algo que eu consiga fazer - e acredite, eu tenho alguns gigas de livros esperando o dia em que uma daquelas coisinhas portáteis de ler livros digitais caia nas minhas mãos.
      Mas valeu o link. Vou guardar. quem sabe, um dia?

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  2. A ideia era somente de conferência mesmo, como é um pdf, fica fácil buscar as partes em que tu suspeita da tradução mal feita. ;D

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    1. Bah, que ótima idéia! eu não tinha pensado nisso! Bora baixar o livro!

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