quinta-feira, 22 de março de 2018

Ressentimentos

Sou um homem com 40 anos, solteiro, sem filhos, branco, hétero com uma carreira motivada pelo coração e que não traz retorno financeiro suficiente pra eu viver decentemente - eu sobrevivo, no máximo, mas viver, mesmo, dentro do que o sistema de consumo contemporâneo tem como definição, é uma palavra que não se aplica à minha vida. 
Minha vida não tem fontes de emoção. Eu não tenho causas pra lutar, minha geração é conhecida por ser preguiçosa, cínica e ressentida - e eu sou um estereótipo da minha geração. Acho que não sou tão cínico quanto gostaria, mas os anos tem me ensinado bastante. Na verdade, eu sou bem egoísta. Eu não me importo. O sofrimento dos outros me afeta pouco, a menos que sejam pessoas muito próximas. Não que eu seja completamente insensível. De fato, eu sempre tomei cuidado pra comprar em comércios locais, ao invés de usar supermercados, produzir a menor quantidade de lixo possível, doar roupas e calçados que não vou usar... O mínimo de alguém com consciência social. Mas recentemente descobri que esse mínimo está bem longe do que é considerado "fazer o bem". Eu me senti mal por algum tempo, por conta disso, mas eventualmente concluí que, considerando que eu já não consigo nem sequer ter uma qualidade de vida razoável, não tenho como abraçar as dores do resto do mundo. Eu faço o que posso, por mínimo que seja, e espero que as pessoas que tem mais energia, recursos ou amor no coração façam mais do que o mínimo. Provavelmente isso me classifica como uma pessoa má. Que seja.
Em termos de trabalho, não tenho visão, talento ou ânimo suficiente pra crescer. Sequer fui capaz de terminar a faculdade de artes, depois de 12 longos anos tentando - e falhando em compreender questões básicas, como agradar professores ou dizer o que eles queriam ouvir (ah, o ressentimento...). Por outro lado sou indolente demais pra pensar seriamente em mudar de área de atuação. Honestamente, não sou bom em nada, tenho criatividade quase nula, sou lento pra aprender e uma memória abismal não ajuda em nada. A cada ano que passa me ressinto mais de não ter conseguido entrar no exército e ter ficado por lá, como um bom soldado - se tem uma coisa que eu sei fazer é seguir ordens. Teria dado um excelente operário de fábrica, acho, mas eu tinha que gostar de desenhar... Gostaria de me tornar ferreiro, mas quem diabos precisa de um ferreiro hoje em dia? Enfim. Essa parte da minha vida definitivamente já está definida: Serei uma pessoa que sobrevive, aos trancos e barrancos, até o dia da minha morte.
Nunca tive filhos, porque nunca achei uma mulher que quisesse dividir essa alegria comigo e sempre fui responsável demais pra colocar uma criança no mundo sem querer. Até disso hoje em dia me ressinto. Não tenho alguém que precise de zelo e cuidado, alguém por quem eu precise me esforçar pra ser melhor e fazer mais. Não sou um modelo à ser seguido, não tenho alguém pra quem ensinar nada, não tenho uma pessoa pra ver crescendo e se desenvolvendo, aprendendo e errando no caminho. Sempre desejei ser o pai que eu nunca tive, sempre achei que teria sido bom nisso. Acho que teria me tornado uma pessoa melhor. Mais ativa. Mais interessada. Nunca vou saber.
Nunca consegui desenvolver um relacionamento saudável com alguém. Dei espaço demais, sufoquei demais, não falei o que deveria, falei o que não devia, não me fiz entender, não entendi coisas óbvias... Cometi todos os erros clássicos pra acabar com relacionamentos, exceto a boa e velha traição - e disso eu definitivamente não me ressinto, só pra variar. Não tenho alguém por quem olhar, não tenho alguém que olhe por mim. Não tenho uma pessoa pra dormir ao meu lado, ou pra quem levar café da manhã na cama, nem pra pensar comigo como resolver os problemas da vida, quando eles vierem, ou mesmo apresentar problemas (porque sabemos que eles aparecem), tomar um vinho pra agradecer um dia bom, pensar na escolha dos filhos, chorar perdas, e enfim, viver todos esses pequenos poemas do dia-a-dia que eu sempre quis. Ainda que eu mantenha boas relações com quase todas aquelas mulheres com quem namorei - algumas delas eu até mesmo considero minhas amigas - eu me ressinto da falta de persistência delas. Me ressinto por não me sentir compreendido. E me ressinto, principalmente, por me ressentir, porque isso sempre me faz perceber o quão imaturo eu sou com relação aos meus sentimentos. Eu me apaixono, me entrego e tento como se fosse um adolescente retardado, todas as vezes. E todas as vezes, os fins são como pequenas mortes. Acreditem, não é divertido chegar aos 40 anos e todos os fins de relacionamentos serem tão problemáticos quanto o primeiro. Na verdade, não é nada divertido chegar aos 40 e todos os relacionamentos parecerem enigmas tão complexos quanto o primeiro...
Eu passei a minha vida toda - pelo menos a parte da minha vida que eu lembro - na mesma casa. Transformei a terra ao meu redor em uma parte de mim, ao longo dos anos. Aprendi a gostar da terra, a entender a terra, a adorar a terra, tudo nesse lugar. Aqui cantei, fiz fogueiras, bebi, fumei, transei, conversei, celebrei casamentos, ri, chorei. Corri pelado na chuva, enterrei animais que amava ou que escolheram essa terra como seu local de morte. Aqui fiz serenatas de amor (que pareceram de horror, mas o que vale é a intenção), duelei com espadas de espuma e metal, arremessei machados, atirei com arcos e bestas, aprendi a cozinhar, desenhar e trabalhar com madeira. Aqui me tornei um bruxo e experimentei fórmulas e rituais mágicos, as vezes acompanhado, mas quase sempre solitário. Aqui eu chorei noites de solidão, uivei de tristeza, ri histericamente de alegria, fiz juras de amor, recebi juras de amor. Aqui tentei me matar (sem sucesso, obviamente) e descobri o peso da palavra solidão. E o quanto é libertador saber que se é amado. Essa casa, que nunca foi realmente minha, e parte de mim, e eu tinha grandes planos pra ela. Queria que se tornasse um lugar onde as pessoas pudessem vir pra se libertar do mundo lá fora. Que viessem não só pra conversar, tomar café, fazer churrasco ou jogar RPG - mas que ainda viessem fazer tudo isso! - mas pra se sentirem incluídas em alguma coisa. Eu queria que as pessoas se sentissem abraçadas sempre que entrassem aqui. Eu tinha grandes planos pra esse lugar. Mas nunca tive autonomia. Nunca tive dinheiro. E sim, me ressinto profundamente disso.
Agora esse sonho vai se juntar àqueles outros. De ter sido militar. De ter um filho. De casar. Vai praquele lugar onde os sonhos mortos se juntam e uma vez ou outra, se dão as mãos e dançam até que eu chore sozinho no escuro.
Em breve as Gaylands vão ser só mais uma casa no Sítio São Marcos, e eu vou ser só mais um quarentão em crise em algum outro lugar. Me entristece saber que nunca vou por um filho no colo e contar sobre como foi o casamento que celebramos ali, no toco onde eu acendo velas as vezes, ou de como uma vez jogamos futebol dentro do galpão - e nem estávamos bêbados! - ou daquela vez que expulsei um assaltante de dentro de casa usando uma espada!
E eu queria muito ter alguma coisa positiva pra terminar esse texto, mas não tenho. Nesse momento sou uma pessoa triste, amargurada e ressentida, e pela primeira vez na minha vida, sou incapaz de assumir o espírito da Poliana e achar um lado positivo disso tudo.
Enfim. A roda do ano gira, e talvez um dia eu olhe pra esse momento com menos tristeza. Nesse momento, isso simplesmente não é possível. 
Áqueles que estiverem lendo isso, um pedido: sei que é muito fácil ser agressivo ou fazer graça com os sentimentos alheios - eu sei bem disso, porque já me expus bem mais do que deveria na rede. Mas eu realmente não estou exatamente com estrutura pra aguentar extremismos, ok? Juntem-se a mim na minha tristeza, sejam positivos, sejam negativos, não digama nada, mas por favor, não ataquem ou diminuam o que eu estou sentindo. Aceitem que algumas pessoas são mais emotivas que outras, e se vocês acharem isso engraçado ou irrelevante, levem suas opiniões pra longe daqui, pelo menos dessa vez. Grato.

7 comentários:

  1. Força brother! Tu és esse belo universo, um pouco de tudo.
    A história ainda está nos capítulos iniciais, tens pessoas que te amam, que fosse conquistando nesse caminho...

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  2. Eu li tudo e, como pedistes, deixo em aberto meu ponto de vista de quem partilha de muitos destes sentimentos.
    Não é tentando diminuir o que sentes, mas o pouco tempo que nos conhecemos já foi suficiente para ganhares um lugar extremamente especial no meu coração.

    É uma lástima saber que as Gaylands mudarão de "dono" porque, afinal, nós somos propriedade da terra. O acolhimento que recebi deste lugar (e dos que o habitam) só acontece quando se está em casa.

    Enfim. Falei mais do que planejava - mesmo que tenha sido pouco.

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  3. Nossa, escorreu bem mais de uma lagrima e um simples aperto no coração, não sei a dor que voce sente ao saber que vai perder o lugar onde tinha planos e upou todo seu xp, eu só sei que sinto muito, sua dor passou os 4 mil km de distancia entre nós e eu so lamento por não estar ai por perto pra só ficar perto de voce e ser companhia na sua dor. Te amo dodo, o indo vai estar aqui e em toda chuva que voce ver e sentir.

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  4. Eu, desde o dia em que te conheci, te achei [é ainda acho] um cara incrível. Se desejos podem ser realizados.. Eu desejo que um dia vc consiga se ver através dos olhos dos que te admiram, e posso assim ver o quanto vc se tornou num homem incrível.
    Força.

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  5. Maria Helena Niemeyer23 de março de 2018 às 12:24

    Eu deveria começar dizendo que acho que isso está geneticamente integrado em nós. Fiz todas as coisas que fizestes nos relacionamentos, na verdade nunca tive um só que fosse bom por um tempo suficiente pra fazer de mim uma pessoa mais feliz. Nossa diferença é que tive dois filhos antes que teu pai morresse e fui adiante pra tentar fazer com que se tornassem seres humanos. Não posso te ajudar nessa passagem pra vida adulta mas se te serve de consolo posso te dizer que quero te levar pra perto da família justamente por te ver muito solitário!!! Mãe

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  6. Queria saber dizer alguma coisa para te ajudar nesse momento, mas infelizmente não sei o que dizer.. Espero que consiga sair dessa situação que você está no momento!abs

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  7. Cara não te conheço e cai no seu blog aleatoriamente, li seu relato e pensei em muitas coisas p dizer, não sou da mesma geração que vc, mas nao sou tão nova assim, mas apesar da sua 'preguiça', corra atrás de algo para vc encontre dentro de vc algo q valha a pena lutar, sei q a vida não é fácil e compara- la com de outros não ajuda, mas sempre faça algo por si. Algo q te faça sorrir, não seja tão duro consigo, mas va atrás dos padrão de comportamento q vc pratica e são nocivos a vc e nunca é tarde para se compor uma família, vc nao precisa de um pai, uma mãe e um filho gerado, pais e filhos também se reconhecem, distribuir o amor que tem dentro de si p outros pode te ajudar a encontrar seu próprio eixo, sua função social na vida
    .. enfim acredito q vc esteja bem, torço por isso !

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