domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Centauro no Jardim

Apesar de já ter ouvido falar bastante de Moacyr Scliar (particularmente depois da polêmica envolvendo Max e os Felinos e As Aventuras de Pi) esse foi o primeiro livro dele que li. É difícil pra mim resistir à um livro cujo título tem uma criatura mitológica - apesar de eu achar, antes de ler o livro, que pudesse ser apenas algum tipo de alegoria, o que me fez demorar tanto para finalmente pegar a obra.

O tal centauro não é uma alegoria, no fim das contas - ou talvez seja; falo disso mais adiante, na parte em que há revelações sobre a trama.

A história segue a  narrativa de Guedali, um centauro nascido em uma família do interior do Rio Grande do Sul, mais especificamente na cidade de Quatro Irmãos. Guedali nos conta em primeira pessoa as aventuras e desventuras que passou até seu 38º aniversário, narrando ele próprio a história na forma de memória. Há uma boa dose de situações inusitadas - como é de se esperar quando estamos falando de um centauro em pleno século 20 - uma carga considerável de conteúdo sexual e vários personagens interessante -incluindo, vejam só, outras criaturas míticas!

A narrativa é rápida e ágil, bem de acordo com o que se espera de uma narrativa de memória. Infelizmente em muitos pontos há uma frustrante falta de detalhes, e algumas situações são completamente inverossímeis - mesmo quando envolvem um centauro.


***REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ADIANTE***

Admito que a bem-sucedida cirurgia que transforma nosso protagonista e sua esposa em humanos mais ou menos normais - e sua metamorfose subsequente em pessoas absolutamente comuns, no aspecto fisiológico - me deixou bastante frustrado. Além de considerar o procedimento absolutamente forçado - tanto quanto seria separar dois irmãos siameses que compartilham o mesmo corpo  da cintura para baixo, por exemplo - tornou a narrativa mais centrada na aceitação de duas pessoas "diferentes", apesar de normais, na sociedade. Depois da viagem para o Marrocos, onde acontece a cirurgia, o livro vira uma comédia da vida privada, sem grandes atrativos, exceto pelo capítulo onde Guevali encontra a Esfinge, talvez.

Além disso o capítulo final deixa evidente que ser um centauro provavelmente era, simplesmente, uma fantasia da mente de Guedali, o que torna o livro, apesar de interessante pelo aspecto  da ambiguidade, permitindo que o leitor 'escolha' o que lhe parece mais interessante (se Guedali era ou não um centauro no final das contas) muito menos um livro de fantasia e mais um livro sobre um homeme com uma fantasia. Esse capítulo final, na minha opinião, torna a obra em si muito menos interessante, dando uma 'versão mastigada' de uma possível reflexão que o leitor poderia fazer por sí só no final da leitura.

*** FIM DAS REVELAÇÕES SOBRE A TRAMA ***


Como uma nota de leitor chato no livro há referências à 'centaura' como a contraparte feminina de um centauro, o que é incorreto. Centauríade seria a expressão correta. Mas como a maioria das pessoas provavelmente não sabe disso, é absolutamente aceitável do uso 'incorreto' do termo - mas que centauríade ainda é muito mais interessante do que centaura, ah, isso é!

O Centauro no Jardim é um livro interessante, mas, definitivamente, não é meu tipo de leitura. Dificilmente vou voltar à Moacyr Scliar no futuro, mesmo que ele escreva outras obras que figurem criaturas fantásticas no título.

4 comentários:

  1. Aí que está tchê, esse é justamente um dos pontos legais do livro. A questão do Centauro é metafórica, o Scliar era um imigrante judeu, que tinha que esconder isso durante a época da guerra, aqui no sul, por medo de uma eventual perseguição. Então ele se sentia assim, metade judeu, metade gaúcho digamos "normal", mas sem ser nenhum dos dois por inteiro, uma criatura estranha e sem lar, como um centauro, metade homem, metade cavalo. Isso eu vi numa entrevista dele, acabei lendo o livro com isso em mente, aí muita coisa ali acabou fazendo sentido.

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    1. Sim, eu imaginei isso, já que, além de centauro, o Guedali também era Judeu. Eu quase consegui sentir essa idéia no livro, na verdade, mas creio que podia ter sido muito mais bem explorado se ele tivesse se mantido na metáfora o tempo todo, sem aquela explicação scooby-doo no último capítulo - que foi o que me desagradou um pouco e que demonstra que o Sclyar tá mais preocupado em esmiuçar e explicar as suas fábulas do que criar tramas que sejam ambíguas.

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