quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Filho da Guerra


Eu fui um filho da guerra fria.

As gerações mais recentes - que nasceram do meio da década de oitenta em diante - não viram as coisas como eu e meus confrades da minha geração viram.

eles não tinham bombas de hidrogênio sempre pairando sobre as cabeça deles. Eles não viram as pessoas perplexas olhando pra TV quando o muro caiu.

A maioria deles não teve tanta liberdade quanto nós, e essa liberdade nunca foi diminuída pela ameaça de uma guerra iminente.

Aquele fantasma de que, a qualquer momento, o mundo todo podia implodir, numa guerra atômica.

Eu entendo que a maioria de nós, com mais de trinta e menos de quarenta anos, não pensamos nisso o tempo todo, e acho que nem pensamos muito no assunto, na verdade. Mas nós vivemos esse sentimento, quase todos nós, e ele ajudou a criar parte do nosso caráter, e certamente influencia o nosso imaginário.

A guerra fria pautou minhas escolhas, até o fim da minha adolescência. eu queria ser milico. entrar pro exército, e ajudar a defender a nação. Ser útil. Pegar em armas contra os inimigos - inexistentes ou invisíveis - do meu povo.  Os inimigos da liberdade.

Com o tempo, claro, esse sentimento passou. O mundo virou uma grande aldeia global, com suas fogueiras de cabos ópticos ao redor das quais pessoas de todo mundo se sentam pra contar histórias.

Mas nem sempre foi assim.

toda a informação que tínhamos vinha pela TV, rádio ou jornais, e todos sabíamos que, apesar da ditadura ser só então uma lembrança amarga na memória dos nossos pais, o governo ainda estava lá, puxando seus cordões pra fazer com que só as informações interessantes chegassem à nós. Nós víamos o inimigo em cada esquina, sempre espreitando. Observando. Julgando.

E nós eramos a vítima.

Assim, eu consigo imaginar o horror da ditadura militar. Posso imaginar o que é ter a liberdade roubada. Simpatizar com as vítimas das guerras "reais". E eu sei que só consigo imaginar, e assim mesmo, quando faço isso, sinto medo, dor e raiva.

Quem, com vinte, vinte e cinco anos, hoje, pode me dizer que sabe o sentimento que é estar em guerra, nunca tendo saído do país? Eu sei como é esse sentimento. Eu estava em guerra, mesmo que não declarada. Uma guerra feita de medo, uma guerra de mentira, que nunca existiu pra mim, mas ainda sim, era bem real.

E as vezes, só as vezes, eu lembro disso quando acordo pela manhã. Lembro como era ser criança e ter medo de ouvir minha mãe me chamando pra dentro, porque os americanos tinham finalmente cortado os fios que seguravam  aquelas bombas atômicas imaginárias acima das nuvens, e elas estavam prestes a atingir as nossas cabeças!

E o mais estranho nisso tudo, é que essa guerra fantasma é uma lembrança que eu cultivo com certa felicidade, porque ela me lembra como é estar numa posição em que tu não tem o menor controle sobre nada, nem sabe como as coisas vão ser amanhã. É um sentimento que me mantém focado, muitas vezes, nos meus objetivos. Me torna mais esperto, de alguma forma. Mais vivo.

E não, não tem um grande objetivo maior por trás dessa postagem. eu só pensei muito no assunto por esses dias, e achei que era hora de colocar esse pensamento em palavras.

Enfim.

Era isso.

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