quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Élia, Rainha de Júpiter


Livrinho de bolso, 144 páginas, mas levei quatro dias pra ler. Letrinha miúda, já meio apagada, em um papel amarelado. Fez meus olhos doerem várias vezes....

Apesar de ter uma imaginação extremamente fértil, povoando o planeta Júpiter - imagino eu pelo título, uma vez que o nome do planeta nunca é mencionado no texto em sí - com toda sorte de criaturas bizarras, de aracnídeos gigantes de 12 patas à cérebros humanos "evoluídos" pesando toneladas, a história em sí é bastante fraca.

Vejamos: Nosso herói, um jovem químico - cujo nome simplesmente me escapa, e não creio ser mencionado em momento algum, na verdade - enfadado com a pequenês de nosso pobre e sem graça planeta terra, vai à uma conferência ministrada por um sir Walter, sobre o qual não sabemos muito, exceto que se trata de um homem bem conceituado, embora desacreditado por alguns, com quem trava breve conversa sobre as maravilhas desfraldadas diante de sí por este brilhante orador. Sem se conhecerem melhor do que por este pequeno dialogo, sir Walter "desafia" o jovem químico à visitar sua casa na noite seguinte, caso se sinta seguro de que poderia empreender uma viagem interplanetária. Nosso herói, chegando a casa do tal sir Walter, é enviado sem grandes cerimônias, através de um tipo de processo hipnótico, em uma experiência de desdobramento espiritual até o longínquo planeta Júpiter. Tudo isso entre as páginas 5 e 9!

O que se segue, então, são as aventuras psicotrópicas do nosso herói - que eventualmente adota o nome de Consorte, depois de se apaixonar pela projeção de uma idílica Élia, rainha cronoparadoxal do tal planeta - enquanto derrota todos os seus improváveis inimigos e domina nações através de uma capacidade de trocar de corpos, um intelecto "superior" e a boa vontade de todos os cidadãos do planeta com quem trava contato, exceto pelos vilões do livro. Consorte nunca perde uma briga, nunca se engana, revoluciona toda a tecnologia do planeta e fica com a mocinha no final. Ele é humilde, honesto, bondoso, um estrategista nato e um intelectual brilhante. Jamais se assusta, nunca é surpreendido, não teme diante do perigo e é capaz de vencer todos os seus adversários em seus campos de atuação. Basicamente, ele é o Capitão América com poderes Jedi.

Acho que em 1959 as pessoas esperavam que os heróis fossem super-heróis, não sei bem...

O livro vale pela criatividade despirocada do autor, que cria uma sociedade utópica em que todos são felizes, exceto os vilões e aqueles a quem eles oprimem. O governo é baseado em amor, e todos são felizes com o que têm. E temos uma arena onde gladiadores se matam todos os anos pela mão de uma rainha que simplesmente esnoba todos eles enquanto espera seu verdadeiro amor... Além disso, ele apresenta uma série de alienígenas bastante interessantes, algumas idéias de culturas subterrâneas, engenhocas tecnológicas mirabolantes e situações inusitadas. Na verdade, é tentando imaginar o que Austin Tower tinha a me apresentar na próxima página que eu segui lendo o livro. E confesso que ele conseguiu me manter interessado na sua viagem de ácido através do imaginário planeta da rainha Élia até a última - e tão sem-sentido quanto todas as outras - página.

O fim é inesperado simplesmente porque eu achei que, em algum momento, alguma coisa ia acontecer! Eu queria um final "em algum lugar do passado" e tive que me contentar com um típico final feliz estilo Disney - e um monte de dúvidas sobre o que eles ficaram fazendo com o corpo terráqueo do Consorte!

enfim!

Se alguém aí quiser experimentar os efeitos da cocaína sem precisar enfiar nada nariz abaixo, tenho o livreco pra emprestar!

Ah, e ao contrário do que a capa do livro indica, nosso herói não é um piloto - bom até é... - e a rainha Élia não é verde - exceto pela densa cabeleira - nem tem sobrancelhas esquisitas...

domingo, 13 de novembro de 2011

O Arqueiro

Muito bem, voltando então às resenhas!

Demorei umas duas semanas pra conseguir ler esse livro, o primeiro de uma trilogia A Busca do Graal, muito mais pela falta crônica de tempo do que pela dificuldade da leitura - que, alias, diferente das Crônicas Saxônicas de Cornwell, não é tão fluida.

O livro conta a história do arqueiro Thomas, que jura vingança contra os franceses após ter sua vila atacada. Como o nome - em português - indica, vamos acompanhar os feitos e a história do arco longo inglês, mais exatamente durante a guerra dos cem anos. É, como os outros livros de Cornwell, uma aula de história com um aventureiro com objetivos próprios como nosso guia. E, como sempre, Cornwell faz um excelente trabalho em ambas tarefas.

A história de Thomas e todas as mirabolantes reviravoltas em seu destino e objetivos também é muito interessante, com a presença de uma série de personagens extremamente carismáticos. A trama e os personagens, alias, dão um tom de irrealidade e ao mesmo tempo de revisão histórica ao livro, uma vez que algumas situações beiram o absurdo, enquanto muitos personagens fogem dos estereótipos aos quais estamos acostumados.

Porém, nem tudo me agradou no livro. As batalhas são excessivamente descritas, criando momentos morosos justamente durante os combates. São, é claro, boas descrições, mas as vezes um tanto confusas, e por vezes com focos transitando tão rápido de um ponto para outro que é difícil acompanhar ser precisar reler alguns trechos. Isso cria um tom de realismo na descrição dos combates - que certamente era bem mais caótico do que a maior parte dos filmes de guerra medieval fazem parecer - mas torna a leitura pesada e um pouco pedante.

No geral, um bom livro. Personagens extremamente bem construídos, situações inusitadas e, claro, excelentes descrições de itens bélicos, formações de batalha e táticas de combate.

É um livro que recomendo principalmente para aqueles que, como eu, são interessados em questões militares históricas. Mas advirto que é um livro pesado em suas descrições, bastante violento e calcado em uma guerra, então os mais fracos de estômago deveriam ficar longe dele.

Em tempo: eventualmente lerei os outros dois livros que fazem parte da trilogia d'A Busca do Graal, mas provavelmente vou colocar algum outro livro na frente, pra desopilar as veias da violência d'O Arqueiro.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ciclos

Aqueles que chegam até este ponto, neste dia, provavelmente são aquelas que eu gostaria que lessem o que tenho à dizer. Talvez haja algum leitor desavisado, atrasado ou totalmente desconhecido que tenha chegado até aqui por acaso, curiosodade ou porque simplesmente não quis ou não conseguiu ler estas palavrinhas antes. Hoje é o décimo primeiro dia do mês de novembro do ano de dois mil e onze, é meio da tarde, e o sol queima lá fora nessa tarde de primavera.

Vamos, então, sem mais delongas, áquilo que quero dizer hoje.

Depois de celebrar o casamento da minha melhor amiga, e muito devido aos acontecimentos que lá se desdobraram - embora certamente canalizados por acontecimentos que aconteceram algum tempo antes daquela noite - minha vida entrou numa espécie de maluquice magica induzida por ingestão massiva de alcool, paixão, caminhadas e conversas - uma combinação poderosa de aspectos dos quatro elementos, potencializada pelo meu estado de espírito inquieto pela lua em sua fase crescente. Tenho certeza que algumas pessoas podem fazer leituras diferentes disso, desconsiderar certas partes ou mesmo dizer que, procurando, eu chegaria à uma combinação adequada simplesmente porque eu desejo desta forma. Não importa. O que importa aqui e agora é que é assim que estou vendo a minha vida e os acontecimentos que nela se desenvolveram nessa semana. É nessa experiência quase ritual que vem me acompanhando pelos últimos dias que eu vou guiar meus passos pelo próximo ciclo, não importa quanto tempo ele dure. É essa sensação de encontro com algo além de mim mesmo que eu vou carregar no peito por muitos dias e noites ainda. E é essa experiência que quero compartilhar com vocês, pessoas que estão lendo estas palavras, nesse momento.

Decidi que sete seriam os dias durante os quais eu manteria viva em mim aquela chama brilhante e consumidora que se acendeu no dia do casamento. Era a chama de Beltane, apesar do dia torto. Era a chama que queríamos acender (aqueles que tinham consciência dela), mas que foi potencializada por um punhado de um combustível mais poderoso, depois que achei que o fogo ia começar à se amansar. Aquele punhado a mais de combustível aromático criou uma pira intensa, que nem mesmo uma noite de chuva pôde apagar, dias mais tarde. Aquele punhado de lenha inesperado me libertou de um grilhão de ferro, e tornou meu espírito livre. Aquele punhado de madeira de caneleira - ou será que era um punhado de açúcar? não sei bem - queimou rugindo por sete dias, mantendo meu espírito queimando, meu corpo aquecido e meu pensamento trabalhando frenético. Agora, tudo começa a aquietar. A chama se transforma eu uma brasa, esperando ser reacesa.

Como uma fase da lua, decidi manter aquela febre por sete dias. E por sete dias eu ví, ouvi, toquei, racionalizei e todo o mundo e todas as pessoas de uma maneira diferente, como se meus olhos tivessem sido abertos para uma realidade que simplesmente não estava lá antes.

Entre situações que eu não posso comentar e acontecimentos que eu não quero comentar (pois elas pertencem apenas à mim e aqueles que os experimentaram ao meu lado), foi a semana mais bizarra da minha vida! Uma semana de encontros, reencontros, de afirmações, de dissoluções, decisões e aprendizados que mudaram minha vida pra sempre, de um modo ou de outro. Estou dez anos mais jovem, e cem anos mais maduro.

Eu gostaria que todas as pessoas que eu conheço pudessem ter uma experiência como essa - e sobreviver! Creio que uma epifania como essa só acontece uma vez na vida. Não sei. O futuro talvez me contradiga.

11/11/11 no fim foi uma espécie de data cabalística pra mim. O fim de um pequeno ciclo que fecha um ciclo muito maior, dentro dessa grande roda que é a minha vida.

Sei que algumas pessoas vão entender parte do que eu estou falando, enquanto outras não vão entender nada. Mas eu gostaria a todas as pessoas que tiveram paciência de ler esse pequeno texto sobre fogo, água, terra e ar - que me acompanharam pela última semana, intensamente - saibam: a vida é algo mágico, cheio de pequenos milagres diários, e enquanto aquela pequena brasa de calor continuar queimando dentro da alma, sempre há a possibilidade de que um punhado inesperado de folhas, galhos e carvão seja jogado alí, reacendendo uma chama que as vezes nos podemos julgar apagada, morta ou que simplesmente ficou esquecida pelo pouco calor que fornecia.

Espero que, como aconteceu comigo nessa semana mágica, todos vocês possam passar por uma experiência de transformação e libertação um dia!

E agora, vou lá encontrar uns amigos, e terminar essa semana como se deve - seja lá como será que isso vai acontecer!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fotografia

Vitor entrou pela pequena porta do apartamento, batendo e pedindo licença, enquanto guardava as chaves no bolso.
- Alguém em casa? Ola?
Do banheiro, por baixo de um zunido alto de um secador de cabelos, ouviu uma voz responder algo que ele não entendeu.
- Está pronta? – perguntou, enquanto ia à direção do quarto. O secador foi desligado. Agora a voz feminina pode ser ouvida bem definida.
- O quê?
- Eu perguntei – disse Vitor sorrindo, enquanto olhava, do marco da porta do quarto, a porta entreaberta do banheiro, sem conseguir ver mais do que a sombra da sua interlocutora – se tu estás pronta.
- Quase. Estou terminando de secar o cabelo! Fico pronta em um segundo!
- Quanto tempo vai demorar esse segundo?
- Ah... Não tenho certeza – voltou a responder a voz.
Ouviu o secador de cabelo ser ligado.
“ok”, disse mais pra si mesmo do que para qualquer outra pessoa.
O secador parou de funcionar novamente.
- Se te apetecer pode comer alguma coisa. A geladeira está bem abastecida - O secador voltou a funcionar antes mesmo que ele pudesse responder algo.
Olhou para a cama desarrumada do quarto, sem realmente prestar muita atenção. Entrou na cozinha, e vasculhou entre alguns CDs espalhados sobre a mesa, ao lado de um CD player que ele nuca vira. Não reconhecendo nenhuma capa ou nome, escolheu um aleatoriamente. Uma voz feminina, muito lentamente começou a cantar uma música que parecia muito triste. Mas com o barulho concorrente do secador do banheiro, era impossível sequer saber qual a língua falada.
Voltou sua atenção para a geladeira. Abriu-a, e deu uma olhada no interior. Depois se abaixou, e começou a realmente estudar suas opções. Entre vários tuppowares com coisas que não podia identificar, acabou por não escolher nada. Levantou-se, fechou a geladeira e percebeu a foto em preto e branco colada no freezer. Nela, sua namorada aparecia sorrindo, olhando por sobre os aros grossos do óculo de grau.
- Onde foi tirada essa foto?
O secador de cabelo voltou a desligar.
- O que?
-Essa foto, na porta da geladeira, onde foi tirada?
-Ah, é do meu gato!
-Só se agora ele precisa de óculos de aro largo! – ele respondeu, rindo.
-Ah, a foto preto e branco?
-Isso.
- É das minhas últimas férias, em São Leopoldo.
- Não sabia que tinha um lago em São Leopoldo!
- Ah, wathever... – O secador voltou a ser ligado.
Olhou a foto demoradamente. Os olhos castanhos, o cabelo preto um pouco mais curto do que ele se lembrava, os aros dos óculos, o cachecol listrado, as pessoas ao fundo, à beira da água.
Então viu algo mais que reconheceu ali.
- Há quanto tempo tu disseste que essa foto foi tirada?
- Ah... Uns cinco meses. – veio a voz abafada pelo som do secador.
**
Caminhava letárgico num inverno particularmente frio, nas docas onde seu pai trabalhava. Gostava de ir até lá nas tardes frias dos fins de semana do meio do inverno. Era um sujeito solitário e quieto, sem muitos amigos, concentrado em tentar encontrar inspiração nas pequenas coisas do dia a dia. Parou para analisar os estivadores conversando à beira de um pequeno navio cargueiro. Alguém atrás de si pediu licença. Perdido como estava em suas divagações, não tinha percebido mais ninguém ali. Virou, e viu a garota de cabelo loiro, trançado numa longa corda largado sobre o ombro, segurando uma câmera fotográfica.
-Ah, desculpe.
Voltou a caminhar para sair do ângulo da câmera.
- não, tu entendeste errado. Eu queria saber se tu podias tirar uma foto minha.
-Ah, claro.
Aproximo-se e pegou a câmera. Ela foi até onde ele estava quando ela lhe chamou a atenção, lentamente, andando de costas. – sabes usar uma dessas?
- Sim, sim – ele respondeu enquanto analisava a máquina, para só então perceber que era analógica.
- tente pegar uma boa parte do navio, tá? Não precisa me deixar centralizada.
Vitor apontou a câmera na direção da garota, tomando cuidado para incluir o nome do barco inteiramente na foto, o que a deixava um tanto deslocada do centro.
- Certo, diga queijo.
- queijo? – ela perguntou com uma expressão de quem não tinha entendido a palavra corretamente.
Ele bateu a foto.
- isso, ficou ótima! – ele disse sorrindo.
Ela começou a rir.
- Ok, fui enganada! Tá, tira outra, sem queijo dessa vez.
- Certo, sem queijo.
Ele voltou a apontar a Câmera para a garota da trança, e ela sorriu um sorriso maroto. Vitor tirou outra foto, exatamente no mesmo ângulo.
- Ok. Pronto.
- Muito obrigada!
- não é muito comum ver esse tipo de câmera por aí, nesses tempos de tecnologia digital – disse ele analisando a câmera.
- Ah, sim, foi um presente do meu pai.
Ela pegou novamente a câmera, olhando com zelo para ela.
- eu sou Vitor – ele estendeu a mão.
-ah, um prazer! Eu sou Rosa! – ela respondeu apertando a mão dele.
- então, Rosa, tu não é daqui, certo?
-Ah, certo. Eu pareço bem deslocada, né?
Ele sorriu.
- Não, só não é muito comum as pessoas daqui virem passear no porto com câmeras fotográficas.
- É, eu sou de Porto Alegre.
- Bom, então que tal conhecer algum café aqui da cidade? – disse Vitor, antes mesmo de entender de onde a frase tinha saído.
Ela pareceu indecisa por um segundo. Olhou séria pra algum lugar perdido um pouco mais alto que o horizonte, por um segundo, depois prestou atenção na câmera em suas mãos, e então, colocando-a num estojo que carregava à tiracolo, olhou pra ele, sorrindo novamente.
- Tá, estou mesmo com fome.
**
-Então, teu pai é fotógrafo.
- Ah, não. Na verdade, ele tinha uma dessas casas que compram e vendem coisas usadas. Ele me deu essa câmera quando eu era ainda bem guria.
- Ah, é? E como era?
- Ah, era bem divertido! Tinha muitas coisas esquisitas, sempre chegando e saindo. O cheiro de mofo me acompanha até hoje!
- Bom, imagino que possas ter lugares piores no mundo pra se crescer.
- É, imagino que sim.
Um momento de silêncio pairou sobre a mesa do bar. Vitor tomou um gole de café, enquanto Rosa mexia distraidamente na câmera com uma mão e segurava o canudo de um milk shake com a outra. Deu-se conta que não fazia idéia de como tinha chegado até ali, e tinha menos noção ainda de que rumo tomar em seguida.
- Então, tu vieste só visitar Rio Grande?
- É, mais ou menos. Eu devo ficar na cidade por umas três semanas. Não conhecia a cidade, e resolvi vir pra um lugar onde não conhecesse ninguém pra curtir as minhas férias.
- Faculdade?
- Não, eu trabalho em um estúdio fotográfico. É da minha irmã mais velha, e eu já trabalho com ela fazem uns cinco anos.
- E é bom trabalhar com ela?
- Ah, eu adoro! Ela é quem tira as fotos, eu só faço as revelações. Na verde, eu praticamente vivo em uma sala escura!
Riram um pouco, cada um olhando encabuladamente para sua bebida.
- Eu não sei. Eu não confio em fotografias. – disse Vitor.
- O que? – ela perguntou meio incrédula, ainda sorrindo um pouco, esperando uma brincadeira.
- Sabe, - Vitor olhou por um momento para o teto, como se procurasse as palavras certas, depois fitou os olhos castanhos de Rosa - centenas de fotografias onde as pessoas sempre aparecem sorrindo. Não importa muito qual o estado de espírito das pessoas, elas sempre sorriem pra uma câmera. Ou fazem algo automático, uma pose pra foto. Não dá pra ver nada além de um sorriso pré-fabricado daquelas pessoas. Ou Fotos de lugares em que elas estiveram, mas de onde elas às vezes nem se lembram, a não ser por essas fotografias. Lugares que elas não pertencem, a não ser naquele momento. Não sei, me parece sempre uma grande encenação, uma felicidade forjada só pra aparecer naquela foto, naquele segundo, e depois a vida segue seu rumo normal.
O silêncio voltou aos dois. Vitor voltou a olhar sua taça de café, enquanto ela continuava a fitá-lo.
- Posso tirar um foto tua?
- O que?
Fora surpreendido com o pedido. Certa melancolia lhe abatera, mas aquele pedido o trouxe de volta à realidade.
- Ah, claro, porque não.
- Ótimo! – Ela pegou a câmera e começou a prepará-la. – Só continua falando.
- Ah... – todas as palavras fugiram dele.
- Me pergunta algo! – disse Rosa, sem tirar os olhos da máquina.
- Ah... Certo... Então, como é a tua casa?
- ela colocou a câmera em posição, à frente do rosto, de modo que ele não podia ver muito mais do que a boca de Rosa falando consigo.
- bom, é uma casa grande, mas um pouco, sabe, atulhada de coisas. Meu pai tem essa mania de levar trabalho pra casa, de uma maneira muito literal!
Ele riu.
- não ria! Essa é uma foto séria! – disse ela sorrindo.
- O que? – ele continuava a sorrir – Então eu não posso sorrir se quiser, pra tirar essa foto? Como quem diz “não olhe agora...”?
- E tenta não olhar pra câmera, tá? – disse ela, tirando a câmera da frente do rosto.
- Hum, só fui natural.
- Só não me olha assim – Ela voltou a apontar a câmera para Vitor.
Ele sorria. Ela tirou outra foto. Lentamente, ele ficou sério, enquanto ela tirava ainda outra foto.
- Então... Tu tens alguém? – ele perguntou, finalmente.
- Que pergunta. A escravidão foi abolida faz um tempo, sabia?
Ele voltou a sorrir, dessa vez meio sem graça.
- Ah, tu diz algo como um namorado? - ela disse, rindo alto - Não. Eu sou casada, tenho dois filhos.
Passou a mão no rosto dele, afastando pouco do cabelo que cobria os olhos. Ele estava sério novamente.
- só brincando. – ela disse ainda sorrindo. – e tu?
- Bom, eu tenho um marido, mas nenhum filho, ainda.
Ambos riram, ele bebeu um gole do café já meio frio, e voltou a fitar a caneca. Rosa ficou olhando pra ele. Lentamente, largou a câmera do lado da mesa, e se levantou. Ele levantou os olhos enquanto ela se aproximava. Ainda sorrindo, ela voltou a afastar o cabelo do rosto de Vitor. Aproximo-se, e eles se beijaram.
**
- Eu quero três filhos – disse ele.
Ela riu alto. Voltou o rosto na direção dele. Ainda suava um pouco. Os narizes de ambos tocaram-se.
- Tu sabes que isso não vai durar pra sempre, não é? Quero dizer, eu não quero te magoar, ou aos nossos filhos, mas...
Ficaram sérios.
- Eu sei. De verdade. Só quero ter certeza de que está tudo bem contigo também.
Ela abaixou o rosto, ele beijou-lhe a testa.
- Eu não quero ir... Mas, digo... Eu preciso voltar pro hotel, só paguei a semana passada, e ainda preciso acertar pra ficar essas últimas duas semanas...
- Porque ficar num hotel. Fica aqui, comigo.
- Sério?
- Claro. Isso é ridículo. Quero passar o maior tempo que der contigo. A gente já tem passado a maior parte do tempo juntos, de qualquer forma!
Ela voltou a sorrir, de um modo meio triste. Ele passou os dedos pelo rosto dela, depois desceu pelo pescoço. Quando chegou à clavícula, eles voltaram a se beijar.
**
Ele abriu os olhos, e a viu. Com uma blusa verde-água, terminando de amarrar o cabelo em uma trança. Ficou olhando seus movimentos, enquanto sentava ainda sonolento, na cama. Ela o vira pelo espelho, mas nada disse.
- Tu não precisa ir.
- Sim, preciso – Ela disse sem parar de arrumar a trança, diante do espelho. – nós já falamos sobre isso – Rosa terminou de atar a ponta da trança, mas não se virou, olhando Vitor pelo espelho.
- Só fica – Ele insistiu.
Ela riu amarga.
-Eu fiquei tanto quanto tinha planejado. Eu tenho uma vida pra tocar em Porto – Ela disse, enquanto arrumava as últimas roupas dentro da mala.
- Tu podes refazer a vida aqui, comigo. Tu sabes que eu posso manter nós dois por um tempo, até tu arranjares um emprego. – esperou uma reação que não veio, da parte dela. – Ou tu não queres ficar?
Ela riu pelo nariz – Claro que quero! Porque tu achas que eu passei contigo essas três semanas? – ela agora realmente ria.
- Bom, eu não sei, porque tu ficaste?
Ela parou de arrumar a mala. Ficou séria e voltou-se pra ele.
- Se tu realmente precisa me fazer essa pergunta, então eu não tenho uma resposta que vá te satisfazer.
**
A mulher, de cabelos negros e longos abraçou-o pela cintura.
- Oi, beibe. Desculpa pela demora.
Ele girou o corpo, passando o braço por sobre a cabeça dela, e então a beijou, brevemente, enquanto correspondia o abraço.
– Não, tudo bem. Pronta pra irmos?
- Uh-hum. Só vou pegar minha bolsa. Desliga o CD, por favor?
Ela se virou e saiu pela porta, na direção do quarto. Vitor ficou olhando enquanto ela se afastava, depois foi até a mesa e desligou o CD player. Ela passou pela frente da porta da cozinha, na direção da porta de entrada do apartamento, ajeitando os óculos de aros grossos. Vitor, ainda parado na frente da geladeira, voltou sua atenção para a foto, uma última vez, e então a seguiu, para a porta.
A fotografia na porta da geladeira mostrava o busto da dona do apartamento. Cabelos pretos e lisos até os ombros emoldurando o rosto sorridente com pequenos olhos negros sob óculos com aros largos e usando um cachecol listrado. No fundo, havia pessoas andando a beira d’água. Entre elas, uma mulher, com uma bolsa com um formato peculiar, o cabelo claro jogado sobre o ombro em uma trança, olhando para a lente com um sorriso maroto.