Assim, segui minha vida, acreditando que o amor existia, de alguma forma completamente inescrutável, provavelmente muito diferente das descrições dele que eu já ouvira, mas que, de toda forma, fosse como fosse, ele não tinha o menor interesse em mim - ou, mais precisamente, ele não acreditava em mim da mesma forma que eu não acreditava nele.
Até que um dia, enquanto cortava lenha, por mera distração acertei o amor com uma machadada. Uma machadada bem dada, diga-se de passagem. Daquelas que pegam em cheio e não deixam dúvidas sobre os resultados. E eu soube, ali, que era o fim. Acreditando ou não nele - ou ele em mim - eu havia matado o amor.
Me ajoelhei ao seu lado e vi o amor dar seu último suspiro, num gorgolejo de sangue, fitar meus olhos por um instante em uma incredulidade assustada, como quem pensa "como tu pode ter feito algo tão estúpido como me matar com uma machadada descuidada?" e então ficar ali, inerte, numa poça de sangue.
Por um momento fiquei ali, pensando se devia ligar pra polícia. Pros bombeiros. Pra algum amigo ou ex-namorada. Contar pra alguém o que eu fiz. Enquanto o amor jazia ali no chão, eu me sentia um assassino.
Mas então, refleti com meus botões: Se ele nunca tinha dado as caras por aqui, ninguém nunca tinha me visto em companhia do amor, se eu nem acreditava nele - e todos sabiam que não acreditava sequer que ele acreditava em mim! - por que eu avisaria alguém que ele morreu?
Assim, peguei meu machado e golpeei o amor até ele ficar em pedaços bem pequenos. Abri um buraco fundo, ao lado daquele onde tinha enterrado meu primeiro gato, que morrera anos antes (de causas naturais, até onde eu sei; certamente não por causa de uma machadada), e fui jogando ali os pedaços do amor. Sentia uma pontada de tristeza por ter matado o amor, admito, mas o sentimento se foi quando terminei de tapar o buraco.
Depois disso, achei que era o fim. Que não haveria mais amor no mundo, pelo menos pra mim. Afinal, mesmo sabendo, agora, que o amor definitivamente existia, eu também sabia que tinha matado ele.
Então, uma noite, por baixo do som do fogo, numa noite particularmente gelada de inverno, ouvi um barulho lá fora. Peguei meu machado e fui verificar. Vasculhei o pátio com aquele sentimento estranho de quem já teve que lidar com ladrões, que sabe que pode se ver frente à frente com uma encrenca mas que tem tudo sob controle e sabe o que está fazendo. Mas, pra minha surpresa, lá estava o amor. Usando um casaco pesado, uma manta colorida e brincado com uma das minhas gatas!
Enquanto eu olhava, incrédulo, o amor sorriu e correu pros meus braços, e me deu um aperto forte, pra garantir que havia voltado. E eu soube, então, que o amor era mesmo imortal, como haviam me dito!
E então me desvencilhei do abraço, dei um passo pra trás, olhei bem no fundo dos olhos do amor, e, por puro despeito, dei outra machadada nele. E picotei seu corpo, e enterrei os pedaços no mesmo lugar de antes.
Mas além de imortal, o maldito amor também é incansável. Não importa quantas vezes eu tenha dado machadadas nele - e foram várias, até hoje - ele sempre volta.
O estranho é que, apesar de eu sempre reconhecer o amor, toda vez que ele aparece outra vez, ele sempre é diferente. Toda vez. As vezes é risonho, as vezes sério, moreno, castanho, tem olhos azuis, verdes ou negros. E toda vez que eu dou uma machadada nele, eu sei que ele nunca mais será daquele jeito quando voltar. E apesar de isso me dar sempre aquela pontada de tristeza quando estou jogando seus pedaços naquele buraco ao lado de onde enterrei meu primeiro gato, também me traz uma sensação de expectativa, de não saber se ele vai mesmo voltar da próxima vez, e se voltar, qual a cara que vai ter.
E sim, eu sei, hoje, que ele sempre vai voltar.
E essa é minha relação com o amor: Ele com sua insistência imortal, eu com meu machado ímpio.