Onde está o maldito martelo?
Ah, ali.
Está escuro.
Tenho muito trabalho a fazer. Continuar martelando. Vamos, vamos!
Esse maldito vento lá fora. Odeio esse vento que uiva pra mim! Esse vento e aquela enorme bola branca brilhando no céu! Maldita! Ah, mas dessa vez eu vou consegui! eu tenho um martelo!
O que é isso? Alguém parou aí em frente. Encosto a cabeça da montaria na porta, e estico o pescoço através das fibras da madeira. Um sujeito grandalhão e barbudo e uma moça morena de cabelos compridos. O que estão conversando?
"- Não acho que foi a porta. Eu ouvi umas pancadas fortes demais, e não tem luz lá dentro. Se alguém tivesse entrado, teria ligado as luzes, né?
- Sim, e tu vai fazer o que? Invadir a casa? Deixa as pessoinhas obscuras fazendo suas coisinhas obscuras e vamos!
- Ok, ok."
E se foram. Percebo agora que a escuridão não é só dentro da casa. Está mesmo anoitecendo! Não tenho muito tempo! Retrocedo de volta pra dentro da minha montaria e volto ao trabalho, martelando, martelando.
As horas passam e o trabalho parece que não evolui. Preciso bater mais forte, mais rápido!
"- Oi! Tem alguém aí?"
O que é isso, agora? Deixo minha montaria onde está, inerte, e vou até a porta. Antes de sair, porém, decido olhar por uma das janelas. Será que aquela bola inchada e gorda está no céu, ainda? Maldita! Maldita! Não vejo nada. Ótimo! Saio através dos tijolos da parede ao meu lado, e dou uma olhada em quem está chamando lá fora. O mesmo sujeito barbudo com a morena.
"- não, espera. eu tenho certeza que ouvi.
- Sim, sim. Eu também ouvi. Tem alguém na casa. Provavelmente um caseiro.
- então porque as luzes estão apagadas?
- Não sei.*suspira* Vamos?
- Ok, vamos. Mas se algum policial passar por nós, eu vou avisar que tem alguma coisa errada aqui.
*saem andando abraçados*
- Tá. Tem um posto da polícia ali na praça.
- Verdade! Bem lembrado!
*se beijam*"
Não, não! Eles vão estragar tudo! A praça! Preciso ir à praça! Me estico através do telhado, pra ver se não tem nada de errado lá fora. Não, a gorda brilhante não está à vista! Maldita! Mas hoje ela não vai me pegar! Preciso trabalhar... Não! antes preciso ir à praça!
Saio esvoaçando pelo vento, por cima da casa, no meio do sereno noturno. Meia-noite, eu sei, eu sinto! Vejo a copa das arvores da praça, logo alí. Um cão me vê passando e uiva, chamando aquela bastarda gorda e brilhante! Não adianta, caozinho, ela não pode me ver! Está encoberta pelos prédios, ou foi engolida pela terra! Não importa, ela não está por aqui! Vejo o grandalhão e a morena. Estão chegando perto do posto, no meio da praça. Três guardas estão ali. O que eu faço? Espera! eu conheço aquele guarda!
"- Com licença. Boa noite. Eu vinha descendo aqui a Lobo da Costa, e umas duas quadras daqui...
*se vira pra morena, que ficou mais atrás*
- Em que altura era aquilo?
- Barroso e santa cruz.
*se vira para os policiais*
- Isso. Entre a barroso e a santa cruz, e tem uma casa ali, meio velha, com uma fachada meio vermelha... E bom, eu ouvi umas batidas fortes lá dentro. Não sei, tive a impressão que tinha alguma coisa errada."
Tenho que fazer alguma coisa. Mas preciso ser sutil, tem muita gente olhando! Pego o guarda que conheço de vista, e lhe dou um empurrão, acho que é só o que é preciso! Acho que estou certo, porque ele dá um passo à frente, e começa a falar.
"- Olha, vou até te dizer o que é isso. Eu moro ali perto, e ali naquela casa mora um louco. Ele grita e faz barulho as vezes, e já foi internado várias vezes. Mas eles não podem manter ele lá por mais que dez dias, é o protocolo, sabe?
- Ah, é, tu mora ali por perto, né?
- É. Mas não podemos fazer muita coisa, se nenhum vizinho der queixa. Ele não é perigoso, então...
- Mas obrigado por avisar!
- Ah, sem problemas! Então que bom que é só isso! Boa noite, hein?
-Boa noite!
- Boa noite.
*vai ao encontro da morena, abraça ela e saem andando*
- Bom, pelo menos fico com a consciência tranquila, né? Vai saber!
- Uhum! Que bom que um deles morava ali por perto e sabia o que tava acontecendo.
- É!"
Vejo os dois andarem até sumirem atrás do chafariz. Lá na frente, um outro cachorro me vê. O pelo se ouriça e ele começa a uivar. É inútil, totó! Agora tenho que voltar! tenho muito trabalho a fazer!
Me esgueiro de volta, nas ruas vazias, olhando pra ver se toda a choradeira dos cães não chamou a atenção dela. Maldita! Mas não. ela não está mais aqui essa noite! Eu entro pelo portão de ferro, passo pela porta e encontro minha montaria exatamente onde estava. Monto outra vez, me esticando na montaria pra me acostumar novamente.
Pego o martelo e volto à trabalhar. Tenho muito o que fazer essa noite!
Tenho muito trabalho a fazer. Continuar martelando. Vamos, vamos!
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