Meu atelier - onde eu passo a maior parte do meu dia enquanto estou em casa, seja desenhando, navegando na internet, jogando RPG ou qualquer outra atividade que necessite de um mínimo de concentração - fica em uma pequena sala agregada à uma grande garagem/cozinha e separada da nossa casa propriamente dita. Uma porta voltada para a rua, ao norte, e outra para o interior da garagem, ao sul, criam um excelente túnel de vento que eu sempre aproveito no calor do verão. Devido ao meu costume de trabalhar depois que o sol se pões, acabo ficando a noite toda com as portas abertas, aproveitando as poucas aragens frescas dessa época do ano. Estes costumes aliados à localização do nosso terreno, numa região "rural", com muitas casas ao redor mas ainda dominada por campos, arvoredos e banhados, me coloca em contato direto com toda sorte de fauna da região. Geralmente, além dos sempre presentes mosquitos, há uma enorme variedade de besouros, grilos, aranhas, mariposa e outros insetos dos quais nem faço idéia o gênero voando ao meu redor, caminhando pelas paredes e rastejando pelo lugar. Algumas noites atrás recebi a visita inusitada de uma imensa barata-dágua, que passou seus últimos dois dias de vida voando ruidosamente antes de ser vítima do ceifeiro dos insetos.
Mas não são apenas os insetos que me fazem companhia nas noites de labuta/diversão no meu atelier; Sapos e rãs de todos os tamanhos são presenças costumeiras, e mesmo pequenos camundongos tornaram-se visitantes corriqueiros. Claro, há ainda minha cadela, uma vira-latas cruzada com fox velhíssima, que sempre vêm se esconder sob meu baú em noites chuvosas ou com relâmpagos, e meu gato, que sempre tenta arranjar um lugar para se aconchegar, mas raramente por muito tempo.
Noite passada, no entanto, depois de uma chuva de verão rápida mas violenta, um visitante bastante incomum veio pousar no meu atelier. Tratava-se de um gambá - também conhecido como saruê ou mão-pelada - muito parecido com esse da foto. Era pequeno - uns 30 cm, sem contar a cauda -, jovem, mas absolutamente confiante e altivo. Eu já atirei em espécimes bem maiores e mais agressivos que aquele, na época em que criávamos galinhas e patos. Eu estava sentado na frente do micro, de costas para a porta, jogando DDO, quando percebi omovimento no meu lado esquerdo. Acrei que fosse a cadela, embora a chuva já tivesse parado. Quando me virei, ví a pequena criatura entrando sem fazer cerimônias. Nos fitamos por um breve momento, e ele então pareceu perder o interesse em mim, e começou a prescrutar a sala. Andou por vários cantos do atelier, enquanto eu o seguia com o olhar. Sentou-se em um canto, mas aparentemente não considerou a melhor opção, então levantou-se e foi se aninhar no extremo mais escruro da sala, entre minhas ferramentas grandes. Eu fiquei estudando seus movimentos por alguns instantes, até que ele pareceu adormecer. Depois de passada a estupefação inicial, causada pela audácia do pequeno marsupial, meu primeiro pensamento foi dar cabo dele. Depois, refleti por um momento. Não temos mais galinheiro há um punhado de anos, e nenhum dos meus vizinhos também. No fim, decidi deixar que ele pousasse aqui aquela noite, sem maiores alardes. Se alguém quiser dar cabo dele, outro dia, que seja, mas naquele momento, eu preferí dar-lhe uma boa noite de descanso em um local seco e seguro.
Deixei a porta do atelier aberta quando foi me deitar, perto das seis da manhã, com meu - agora - convidado ainda adormecido. Quando voltei ao atelier, perto do meio dia, ele já havia seguido viagem. Não sei pra onde foi, nem o que foi fazer, mas fiquei feliz em saber que pude dar abrigo tranquilo àquele animalzinho numa noite úmida e quente. Espero que ele algum dia volte à me visitar; se o fizer, eu vou arranjar um pouco de ração pra ver se ele aprecia um pouco mais a estadia!